Proliferam nas redes sociais perfis de mulheres que ensinam e estimulam outras mulheres a não trabalhar fora e ficar em casa, cuidando da família e do marido, causando dependência financeira e emocional desse homem
Depois de tantas lutas travadas pelas mulheres para conquistar seus diretos e liberdades, para se inserir e se equiparar aos homens no mercado de trabalho, está surgindo uma nova onda de influenciadoras digitais conservadoras, que incentivam as mulheres a deixarem suas profissões e trabalhos, ficando em casa para cuidar da organização e limpeza do lar, dos filhos e do marido. Muitas mulheres seguem essas influencers e passam a viver esse padrão de relacionamento, que as coloca submissas economicamente ao marido. De acordo com a psicóloga Bárbara Couto, especialista em Relacionamentos, esse padrão vendido pode incentivar mulheres a permanecerem em relacionamentos abusivos e violentos. “Quem tem o dinheiro tem o poder em qualquer relação, seja ela tóxica ou saudável. E quando a mulher abre mão da sua profissão, do seu trabalho, de ter o próprio dinheiro, acaba ficando refém do que esse marido disponibiliza pra ela. Sabemos que muitas mulheres têm dificuldades de sair de casamentos violentos por não terem seu próprio dinheiro, nem para onde ir. Com isso, vão cada vez mais se submetendo a situações horríveis, de extrema violência”, alerta ela.
Esses perfis estimulam as mulheres a deixarem a casa organizada e limpa, filhos bem cuidados e receberem o marido arrumada, maquiada, com jantar pronto, além de não levarem problemas para ele. Bárbara explica que a expectativa social criada por essas influenciadoras de ser a esposa perfeita é muito cansativo e pode ser frustrante para a mulher. “As atividades domésticas são exaustivas, principalmente cuidar e educar os filhos. E ainda tem essa pressão estética de estar sempre arrumada, o que é muito danoso, porque as mulheres envelhecem e a beleza acaba. Toda essa busca por essa perfeição pode levar um esgotamento emocional, a uma sensação de inadequação. Além disso, a não divisão dos problemas com o marido passa a sensação de que o que ela sente não é importante”, explica Bárbara.
Abertas à vida, as conservadoras não usam método contraceptivo e acreditam que o tamanho da família é da vontade de Deus. As influenciadoras exibem, com orgulho a grande prole nas suas redes sociais e ensinam como educar as crianças. “Eu percebo que retornar a esse cenário, que já não existe desde que as mulheres passaram a ter acesso aos métodos contraceptivos, traz de volta crianças negligenciadas. Cada criança exige uma atenção, umas têm problemas de saúde, outras escolares, umas são mais apegadas, outras mais chorosas. E vão exigir dessa mãe cuidados diferentes. A mulher, com muitos filhos, mesmo estando em casa, não consegue dar a todos o que eles precisam. Revive-se o que era comum no passado: crianças perdendo a própria infância, porque tinham que cuidar dos irmãos mais novos. Além, claro, da própria mulher deixar de ter tempo para se cuidar, fazer algo que goste. E isso a torna mais frustrada ainda”, esclarece a psicóloga.
Venda de cursos que ensinam a ser donas de casa
Além de estarem nas redes sociais, muito desses perfis vendem cursos para as mulheres se tornarem as esposas perfeitas. O que é totalmente contraditório, já que elas trabalham nesses cursos e ganham dinheiro vendendo um estilo de vida, que na realidade, elas próprias não têm. “É muito perigoso se permitir que a outra pessoa tenha tamanho poder sobre nossas vidas. Muitas pessoas, talvez perdidas, compram as ideias e os cursos de algo que parece milagrosos para se ter felicidade. Mas, não são todas as mulheres que têm a mesma aptidão, que se enquadram no estilo de vida vendido, como uma receita de bolo a ser seguida. A vida não é simples, a vida é complexa e o que faz sentido para um não faz para outro. As pessoas têm que ter mais senso crítico e entender que muitos que estão na internet mostram uma realidade que não existe, mas que dá engajamento”, disse a psicóloga.
Segundo Bárbara, para não ser influenciada pelas ideias de padronização perfeita vendida pela internet, a solução é o autoconhecimento, sabendo o que faz sentido para a si, para a própria vida. “Modelos de vida a serem seguidos não fazem sentido, principalmente aquelas que impõem algum tipo de restrição, e que não consideram a individualidade e a realidade de cada um. Não estou dizendo que todas as mulheres dependentes financeiramente são infelizes, mas é um cenário que pode sim gerar muita infelicidade e se tornar perigoso em relações abusivas e violentas. A mulher deve ter autoestima, liberdade e autonomia, para a gente fazer escolhas conscientes e não ficar repetindo estereótipos de internet”, finaliza Bárbara.
Por Chris Coelho Comunicação Assessora de Imprensa
Coluna Klug em Foco
Coluna Klug em Foco