Campeã olímpica nos Jogos de Londres (2012), Tandara é a principal contratação do Osasco/Audax para a temporada 2020/2021 do vôlei feminino. A atleta é uma velha conhecida do clube: esta é a quarta passagem dela pela agremiação da Grande São Paulo. Depois de mais de cinco meses sem atuar em uma partida oficial, em decorrência da paralisação da modalidade por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19), a jogadora retornou recentemente aos treinos com as colegas no Ginásio José Liberatti.
Em entrevista exclusiva, a atleta analisou o difícil percurso que a seleção brasileira terá pela frente nos Jogos Olímpicos de Tóquio (Japão), no ano que vem. Dandara também falou sobre sua recente vitória na Justiça, após acionar judicialmente o Praia Clube, para ter reconhecidos direitos constitucionais ligados à maternidade. Associada ao movimento “Atletas pela Democracia”, a jogadora revelou ainda que é contrária ao projeto de lei (PL) 346/2019 da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que pretende vetar a atuação de atletas trans no estado. Se o PL for aprovado, uma das atletas que não poderão mais competir em São Paulo será a oposta Tifanny Abreu (Sesi/Bauru), entre outras.
Agência Brasil – Como foi tomar a decisão de voltar ao Osasco? Na saída do Sesc/RJ, você teve várias propostas do Brasil e do exterior. Foi difícil decidir?
Tandara – A minha história com o Osasco e com o Luizomar [Luizomar de Moura, técnico do clube] é bem longa. Ele me conheceu quando eu tinha 14 anos. Foi o Luizomar que me deu a primeira chance na seleção. Essa é a minha quarta passagem pelo clube. Mas considero que eu nunca saí daqui. Mesmo jogando em outros clubes, a minha casa é em Osasco desde 2007. Escolhi a cidade para cuidar da minha filha. Os meus pais se sentem muito bem aqui. Esse lado familiar pesou muito mesmo.
Agência Brasil – O teu último jogo foi contra Valinhos em março. Depois desse longo tempo, vocês retornaram recentemente os treinos. Como está sendo a volta?
Tandara – Eu toquei muito pouco na bola nessa quarentena. Confesso que, no primeiro mês, fiquei bem feliz por ter essa folga. Mas, querendo ou não, foi muito tempo sem tocar em bola. Estamos fazendo as avaliações médicas e exames, mas, mesmo que seja pouco, eu já estou conseguindo dar alguns toques na bola. Então, não esqueci da manchete, do toque. Sabemos que já temos o Paulista marcado para o mês que vem [abertura prevista para 26 de setembro]. Eu estou bem feliz por voltar a ter essa rotina. Ter horário para treinar, compromissos. Estava com muita saudade disso tudo.
Agência Brasil – O que você pode falar sobre o elenco do Osasco para essa temporada? Além do seu retorno, Jaqueline, a Camila Brait, a Bia e a Roberta renovaram e a Tainara Santos chegou ao clube.. Qual a sua projeção para o time?
Tandara – Acredito que temos peças importantíssimas. Para a Jaque quase não tem diferença entre passar e atacar. A Brait está evoluindo muito no comando do time. Estou bem servida de levantadora para esse ano com a Roberta. Osasco tem bastante coisa a dar nessa temporada.
Agência Brasil – Neste ciclo olímpico, poucas vezes o Brasil teve a seleção completa para treinos e competições. Enquanto isso, Sérvia, Itália, China e, até mesmo os Estados Unidos, conseguiram ter uma constância maior. Então, esse adiamento pode ser bom para a seleção?
Tandara – O Brasil não é o favorito para ganhar a Olimpíada. Esse ano a mais vai servir para as jogadoras se recuperarem e chegarem melhor em 2021. Vai ser um ano ganho. Vi que o Zé Roberto falou que ele gostaria de ter caído no outro grupo [o país está no grupo A, junto com Japão, Sérvia, Coreia, República Dominicana e Quênia; e o treinador gostaria que seleção brasileira estivesse no Grupo B, junto com China, Estados Unidos, Rússia, Itália, Argentina e Turquia]. Não é a nossa realidade. Vamos ter que jogar muito desde o início para ganhar confiança.
Agência Brasil – Qual é o teu sonho de uma Olimpíada perfeita em 2021?
Tandara – Quero ser sempre melhor hoje do que fui ontem e pior do que vou ser amanhã. Quero ser mais decisiva. Preciso treinar. Já fiz vários testes e sei que eu jogo aquilo que eu treino. Falei, recentemente, que me considero a melhor jogadora do Brasil. Não é para desmerecer ninguém. Eu preciso disso para me motivar a trabalhar cada vez mais.
Agência Brasil – Durante a carreira, você teve algumas lesões. Como está fisicamente nesse momento?
Tandara – Na China, tive uma fatalidade (entre outubro de 2018 e janeiro de 2019 Tandara defendeu o Guangdong Evergrande; no jogo contra a equipe Liaoning, ela caiu de mal jeito depois de um bloqueio e teve uma torção no tornozelo esquerdo]. Todos que jogam vôlei correm esse risco. No ano passado, no Sesc, tive lesões musculares. Antes, era sempre o meu pé e o meu ombro que incomodavam. Nesse último ano tive alguns estiramentos no abdômen. Mas hoje estou me cuidando bastante. Se eu tiver que ficar fora de algum jogo no futuro, não vai ser pelos mesmos problemas.
Agência Brasil – Em junho, você conseguiu aquela vitória no processo contra o Praia Clube para reconhecimentos de direitos ligados a gravidez da Maria Clara. Foi um marco importante para todas as mulheres, não é mesmo?
Tandara – Desde o início, nunca foi pelo dinheiro. Sempre foi pela causa. Para mostrar que podemos ser mães e podemos também ser atletas. Gostaria até mesmo de conversar com o governo federal para alguma garantia maior para as atletas durante a gravidez e a maternidade. O que tem que ficar bem claro é que gravidez não é doença. Tive a minha filha, a Maria Clara, e voltei a jogar bem.
Agência Brasil – Recentemente, você ingressou no movimento “Atletas pela Democracia”, grupo que é contrário ao projeto de lei 346/2019 da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que pretende vetar atletas trans em São Paulo. Um dos principais alvos do projeto é a oposta Tifanny Abreu (Sesi/Bauru). Mas você também já havia se posicionado sobre uma possível vantagem física da Tiffany nos jogos da Superliga Feminina. Queria saber a tua opinião sobre esse processo todo.
Tandara – Falei mesmo há um tempo. Disse que era contra a participação dela. E, agora, entrei no grupo dos “Atletas pela Democracia”. Eu tenho a CBV, que administra as competições. Da mesma maneira que a Tifanny foi autorizada a participar, ela não pode ser proibida por um projeto desses. Deve ser feito um estudo mais aprofundado. A vantagem que, por ventura, ela tenha deve ser comprovada. Não sou eu, nem o deputado que está tentando aprovar esse projeto, que vai decidir isso. Não é assim que as coisas funcionam. Mas a minha opinião não mudou. São várias jogadoras que atuam na mesma posição dela e que podem estar disputando uma vaga em um clube. Isso precisa ser estudado profundamente. Eu respeito muito a Tifanny. Não tenho briga com ela. Nós temos as nossas formas de pensar. É preciso que as pessoas respeitem.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues