Coluna – Uma barreira chamada coronavírus

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O surto do novo coronavírus (Covid-19) promoveu uma série de baixas no planejamento de seleções paralímpicas nas últimas semanas. A mais recente foi com a de tênis de mesa, que optou por não viajar para uma das principais competições do circuito mundial, na Espanha. A Confederação Brasileira da modalidade (CBTM) deixou a cargo dos atletas a opção de participar ou não. Apesar de o país europeu não viver efetivamente uma epidemia, o torneio naturalmente reuniria jogadores de diferentes partes — inclusive lugares atingidos em escala significativa pelo vírus.

Razão semelhante à que explica dois eventos no Brasil — uma etapa da Copa do Mundo e o torneio regional das Américas, ambos da esgrima em cadeira de rodas, marcados para o Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo — serem cancelados. Segundo nota da Confederação Brasileira de Esgrima (CBE), a justificativa do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), responsável pela instalação, é que “o grande fluxo de estrangeiros previsto para a ocasião traria significativo risco de contaminação a atletas brasileiros em preparação naquele mesmo Centro de Treinamento e, também, às pessoas que lá trabalham e circulam diariamente”, que são cerca de duas mil, conforme o CPB.

O Comitê argumenta que a CBE e a Federação Internacional de Esportes para Cadeirantes e Amputados (IWAS, sigla em inglês) não teriam oferecido garantias de segurança “aos atletas e às milhares de pessoas que frequentam, treinam e trabalham na instalação contra a epidemia de Covid-19” — o que a instituição que gerencia a esgrima no país reconhece, de acordo com posicionamento enviado via assessoria de imprensa. A Confederação explica, ainda, que foi atrás de outros locais (como o Ginásio do Ibirapuera, na capital paulista, que sediou um torneio internacional de parabadminton no início do mês, também transferido do CT), mas que nenhum deles estava disponível entre 10 e 18 de março.

As duas competições valeriam pontos para o ranking que define as vagas ao Japão. Aliás, a IWAS anunciou que todos os seus torneios marcados até 31 de maio não mais ocorreriam ou seriam adiados — o que certamente impacta a situação de atletas que deles dependiam para entrar na “zona de classificação”. Em nota, a entidade prometeu se manifestar até dia 12.

Já eventos-teste que as equipes de bocha (fevereiro) e judô (março) disputariam em Tóquio, no Japão, sede da Paralimpíada, foram cancelados antes de as equipes viajarem. “Sorte”, naturalmente entre aspas, que a seleção de natação não teve, descobrindo que a etapa do circuito mundial de Lignano Sabbiadoro, na região de Veneza, na Itália, não seria mais realizada, ao chegar na cidade.

“Ficamos dois dias sem treinar. Atrapalha, quebra um pouco o ritmo. Estávamos com a cabeça preparada para competir. Mas, não dá para lamentar, porque foi uma fatalidade, algo que foge ao nosso controle. Felizmente, foram só dois dias. Se o CPB não tivesse agido rápido, talvez fossem três, quatro dias, seria pior”, comenta Carlos Farrenberg, nadador da classe S13 (baixa visão), medalhista de prata nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016.

A seleção de bocha, por sua vez, já estava até com as passagens compradas para a viagem. “Nosso orçamento vem de dinheiro público, pela lei Agnelo Piva (via repasse do CPB). Se é dinheiro público, há uma prestação de contas aos órgãos fiscalizadores, que analisam nossos projetos. O dinheiro pago ao comitê organizador do evento, que é relativo à hospedagem, alimentação e transporte em Tóquio será 100% reembolsado e devolvido ao CPB”, explica Leonardo Baideck, diretor técnico da Associação Nacional de Desportos para Deficientes (Ande), entidade que gerencia a modalidade. “Com relação às passagens, apesar de compreender a questão, a empresa aérea vai retornar 50% do valor. Para uma associação que já tem pouco orçamento, perder metade do valor de 23 passagens aéreas é considerável. Será justificado, mas é uma perda”, emenda.

Há, claro, um impacto técnico. “Na minha classe, BC3 (maior comprometimento motor), a gente depende muito de conhecer o piso. Participando do evento, a gente saberia de antemão se (o piso em Tóquio) é parecido com o do CT”, detalha Evelyn Oliveira, medalhista de ouro por equipes mistas no Rio. “Como tenho uma patologia um pouco mais severa (atrofia muscular espinhal, sem movimentos nos membros inferiores e comprometimento de força nos superiores), viagens de avião, às vezes, desgastam muito. Fico com muitas dores. Seria uma forma de ver como meu físico ficaria e talvez, até, preparar melhor para, em agosto, minimizar esse desgaste”, completa.

Por enquanto, os Opens internacionais de atletismo e natação, marcados para o mesmo CT que não sediou as competições de esgrima e parabadminton, estão mantidos para 26 a 28 de março. Os torneios valem muito para atletas que ainda precisam de índice para Tóquio. Em nota, porém, o CPB garante que acompanha “os desdobramentos do caso para analisar a necessidade de mudanças”. O evento reunirá mais de 500 atletas de, pelo menos, 24 países, nas duas modalidades.

O clima é de insegurança sobre a própria realização dos Jogos. As autoridades japonesas já admitem que os eventos de agosto e setembro (incluída, é claro, a Olimpíada) podem até ser adiados. A postura é diferente de dias atrás, quando o tom das manifestações era menos pessimista. O Comitê Olímpico Internacional (COI) reafirmou que o cronograma não sofreu alterações, enquanto o Paralímpico (IPC, sigla em inglês) ainda não se manifestou.

Entre atletas, comissões técnicas e dirigentes do paradesporto brasileiro, e isso fica claro nas entrevistas, há muita incerteza. A preparação, com o cancelamento ou adiamento de eventos — que, ressalte-se, é necessário, considerando os cada vez mais alarmantes números globais da epidemia — naturalmente acaba prejudicada, uma vez que impacta no ritmo de competição a menos de seis meses do mais importante acontecimento do ciclo, para o qual todos investiram dinheiro, tempo, saúde e sonhos durante quatro anos.

Edição: Verônica Dalcanal

Redação
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