Agravamento da crise humanitária provoca uma onda de condenação contra a operação militar
A enorme pressão global deixou o governo israelense e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu profundamente isolados, se ainda não totalmente sozinhos, em grande parte porque ainda têm o apoio de seu mais firme aliado, os Estados Unidos.
Desta vez, no entanto, Israel enfrenta uma rara quebra com Washington. A administração Biden está circulando um projeto de resolução no Conselho de Segurança da ONU que alertaria o Exército israelense para não realizar uma ofensiva terrestre em Rafah, perto do Egito, onde mais de 1 milhão de refugiados palestinos estão se abrigando. Também pediria um cessar-fogo temporário.
— É um grande problema para o governo israelense porque anteriormente ele foi capaz de se esconder atrás da proteção dos Estados Unidos — disse Martin Indyk, ex-embaixador dos EUA em Israel. — Mas agora Joe Biden está sinalizando que Netanyahu não pode mais considerar essa proteção como garantida. Há um contexto mais amplo de condenação pela opinião pública internacional, que é sem precedentes em amplitude e profundidade, e que se espalhou para os Estados Unidos. Os progressistas do Partido Democrata, a juventude e os eleitores árabes-americanos todos ficaram irritados e criticaram duramente Biden por seu apoio a Israel.
Até agora, o presidente Biden não permitiu que a pressão internacional ou doméstica o influenciasse. Na terça-feira, os Estados Unidos voltaram a um papel familiar, invocando seu veto no Conselho de Segurança para bloquear uma resolução, patrocinada pela Argélia, que exigia um cessar-fogo imediato em Gaza. Foi a terceira vez durante a guerra entre Israel e o Hamas que os Estados Unidos vetaram colocando pressão sobre Israel.
— Para os israelenses, essas organizações estão contra nós — disse Michael Oren, ex-embaixador de Israel nos Estados Unidos, referindo-se à ONU, à Corte Internacional de Justiça e a outros órgãos. — O que eles fazem não nos afeta estrategicamente, taticamente ou operacionalmente.
Mas Oren reconheceu que qualquer quebra com os Estados Unidos, seu maior fornecedor de armas, poderoso aliado político e principal defensor internacional, seriam “outros quinhentos”.
Embora Israel tenha enfrentado uma forte pressão desde os primeiros dias de sua ofensiva em Gaza, o coro de vozes de capitais estrangeiras se tornou ensurdecedor nos últimos dias. Em Londres, o Partido Trabalhista da oposição pediu um cessar-fogo imediato na terça-feira, mudando sua posição em relação ao Partido Conservador no governo, sob pressão de seus membros e de outros partidos de oposição.
GUERRA EM GAZA COMPLETA 100 DIAS
A África do Sul comparou o tratamento de Israel aos palestinos a uma “forma extrema de apartheid”. O governo sul-africano trouxe um caso separado à corte acusando Israel de genocídio em Gaza.
Na quarta-feira, os Estados Unidos mais uma vez defenderam Israel, implorando à Corte para não emitir uma decisão que exija que Israel se retire incondicionalmente desses territórios. Um advogado do Departamento de Estado, Richard C. Visek argumentou que isso tornaria ainda mais difícil um acordo de paz entre Israel e os palestinos, pois não levaria em conta a segurança de Israel. Mas a voz dos Estados Unidos estava isolada, com apenas o Reino Unido oferecendo um argumento semelhante.
— A verdade é exatamente o oposto — disse Philippe Sands, um advogado de direitos humanos que falou em nome dos palestinos.
Observando que a Corte já havia confirmado o direito dos palestinos à autodeterminação, ele disse: “A função desta Corte, desses juízes, de vocês, é declarar a lei: definir os direitos e obrigações legais que permitirão uma solução justa no futuro”.
Uma decisão da Corte Internacional de Justiça seria apenas consultiva, e Israel se recusou a comparecer a esses procedimentos. Mas o desafio de Israel às organizações internacionais não significa que as ignore completamente.
No final, enviou uma equipe jurídica de alto nível, liderada por um respeitado advogado australiano-israelense, Tal Becker, que argumentou que a África do Sul apresentou “uma descrição contrafactual abrangente” do conflito.
Em uma decisão provisória no início de fevereiro, a Corte ordenou que Israel impedisse e punisse declarações públicas que constituíssem incitações ao genocídio e garantisse que a ajuda humanitária chegasse a Gaza. Mas não atendeu a um pedido-chave da África do Sul: que Israel suspendesse sua campanha militar.
Por Mark Landler Em The New York Times — Nova York.