“Investigação da PF revela suposto esquema de corrupção na saúde em Sorocaba e coloca sob escrutínio a responsabilidade administrativa da atual gestão”
As recentes ações da Polícia Federal no interior do estado de São Paulo reacendem um alerta grave: a corrupção continua sendo um câncer que consome os recursos públicos, sobretudo na área mais sensível da administração – a saúde. Desde 2022, uma investigação minuciosa, batizada de ‘Operação Copia e Cola’, busca desarticular um suposto esquema de desvio de verbas públicas envolvendo dezenas de prefeituras, entre elas, a de Sorocaba, comandada pelo prefeito Rodrigo Manga.
O cenário que se desenha é preocupante. Na fase mais recente da operação, foram cumpridos 28 mandados de busca e apreensão em diversas cidades. Em Sorocaba, os alvos incluíram a residência do prefeito, a sede da prefeitura, a Secretaria de Saúde, a casa de um ex-secretário de administração e até mesmo no diretório local do Partido Republicanos. Entre os bens apreendidos destacam-se: armas, dinheiro em espécie e um veículo Porsche avaliado em R$ 700 mil – símbolo do contraste entre o luxo de poucos e a carência de muitos.
A investigação teve origem em suspeitas de fraudes na contratação de uma Organização Social (OS) para gerir serviços de saúde no município. Os indícios apontam para um esquema complexo de corrupção, lavagem de dinheiro e superfaturamento, operado por meio de depósitos em espécie, pagamentos de boletos e transações imobiliárias. Como medida cautelar, a Justiça determinou o sequestro de bens e valores que somam R$ 20 milhões.
Importante lembrar que este não é um caso isolado. Em 23 de novembro de 2023, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União cumpriram 23 mandados de busca e apreensão em outra operação para apurar supostos desvios de dinheiro público também na área da saúde em Sorocaba. O prédio da Prefeitura e a residência do então secretário de Saúde, Vinicius Rodrigues, foram alvos das buscas. A investigação revelou práticas ilegais na gestão de recursos de um convênio firmado com uma organização sem fins lucrativos para administrar uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Foram identificadas transferências vultosas das contas da OS e de empresas subcontratadas para contas bancárias de familiares ligados à diretoria da entidade. A Justiça determinou o bloqueio de bens no valor de R$ 24,1 milhões e impediu a celebração de novos contratos públicos com parte das empresas investigadas.
Ainda que não haja confirmação oficial sobre a apreensão de valores na casa de familiares do prefeito, como sua cunhada, os fatos investigados expõem uma estrutura de gestão pública vulnerável, onde o interesse coletivo muitas vezes é eclipsado por interesses escusos.
É inadmissível que recursos destinados a salvar vidas sejam desviados para alimentar vaidades e fortalecer esquemas políticos. A corrupção na saúde é, talvez, uma das mais perversas formas de crime contra a sociedade. Quando falta medicamento, atendimento ou leito hospitalar, o prejuízo não é apenas financeiro – é humano.
Diante do avanço das investigações, o prefeito Rodrigo Manga veio a público, pelas redes sociais, para rebater as ações da Polícia Federal, alegando possível perseguição política. Contudo, tal alegação esbarra em uma questão incontornável: a responsabilidade administrativa. A contratação da Organização Social (OS) investigada foi feita pela gestão municipal, sob sua autoridade direta. A Secretaria de Saúde – núcleo estratégico envolvido no suposto esquema – é comandada por servidores comissionados, todos de confiança do prefeito. Como chefe do Executivo, é do prefeito a prerrogativa de nomear e exonerar os responsáveis pela pasta, bem como de aprovar ou questionar os contratos firmados com organizações parceiras.
Negar o vínculo com a OS ou com as decisões da secretaria é tentar dissociar-se de um sistema que, por princípio legal e político, está sob sua gestão direta. Em uma administração pública responsável, a linha entre comando e responsabilidade é clara: quem escolhe os gestores responde por seus atos. Mesmo que não haja envolvimento direto nos crimes investigados, cabe ao prefeito responder pelo conjunto de decisões que permitiram a contratação, a execução e a permanência da entidade suspeita na gestão da saúde municipal.
Este editorial não tem como objetivo condenar antes do devido processo legal, mas é necessário afirmar: o combate à corrupção precisa ser implacável, sobretudo quando ela compromete a dignidade da população mais vulnerável. O caso de Sorocaba é um reflexo de uma prática sistêmica, que exige reformas profundas, fiscalização rigorosa e, acima de tudo, responsabilidade ética de nossos gestores.
A sociedade brasileira já não suporta mais manchetes que revelam o desmonte moral da administração pública. Que a justiça siga seu curso, com transparência e celeridade. E que os culpados, uma vez comprovadas as irregularidades, sejam punidos exemplarmente – não apenas para reparar o dano causado, mas para reafirmar um princípio básico e urgente: o dinheiro público tem dono – e esse dono é o povo.
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Da redação