Pior é que o povão nunca fica sabendo dessas conversas de bastidores
Da esquerda para direita: Nelson Jobim, Dias Toffoli, Joaquim Barbosa, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes no aniversário de Toffoli no Bar dos Arcos: Foto Reprodução.
O que havia começado como “bate-papo descontraído”, em um almoço de aniversário, terminou em diálogos confidenciais que convenceram o aniversariante daquele dia 20 de novembro de 2022 – o ministro do STF Dias Toffoli – a empreender um plano que pode ter atrapalhado o golpe de Estado planejado, segundo a PF, pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) no final daquele ano.
O QUE ACONTECEU
Dias depois da eleição que deu a vitória a Lula (PT), Toffoli convidou autoridades para celebrar seu aniversário de 55 anos. O local escolhido foi o Bar dos Arcos, no subsolo do Teatro Municipal de São Paulo. Lá estava Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa de Lula e Dilma (PT), o ministro do Supremo Kássio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, Fábio Faria, então ministro das Comunicações, o coronel reformado da PM do Distrito Federal, Jorge Oliveira, ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) indicado por Bolsonaro, e o deputado federal petista Arlindo Chinaglia.
No começo informal, a festa daquele dia 20 de novembro foi mudando de tom por iniciativa do próprio anfitrião. “Em bate-papo descontraído mantido no encontro social que durou até a noite, Toffoli disse a alguns dos presentes que atuava para amenizar as tensões entre Lula e Bolsonaro”, revela o livro-reportagem “O Procurador”, de autoria do jornalista Luís Costa Pinto, lançado em julho deste ano.
As conversas se aprofundaram, dando ao ministro informações cruciais sobre o golpe em curso. “A amplitude das conversas estabelecidas por Toffoli deixou-o na condição de receptor privilegiado de informes e alertas extraoficiais de militares (ativos e da reserva), que davam conta da movimentação do tal ‘aparelho golpista'”, diz o livro. Havia até uma menção à existência de um documento para formalizar a decretação de estado de sítio.
Toffoli teria levado a sério as informações. O ministro, diz o livro, confidenciou tudo o que ouviu a um aliado improvável: o procurador-geral da República indicado por Bolsonaro, Augusto Aras. Na conversa, Toffoli ficou sabendo de Aras que ele também estava ao par das “movimentações golpistas”, segundo relatado por Costa Pinto.
Eles não sabiam se suas fontes eram as mesmas, mas “confiaram nos relatos”. A investigação que revelou, em janeiro de 2023, a existência de uma minuta de decretação de estado de sítio e de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) – encontrada na casa do então secretário de segurança do DF, Anderson Torres – confirmou o que o ministro e o procurador tinham ouvido meses antes.
A ESTRATÉGIA CONTRA O GOLPE
O golpe poderia ocorrer até a diplomação de Lula. “Na cabeça dos bolsonaristas”, diz o livro, “a combinação de Estado de Sítio e GLO cancelaria a solenidade formal no TSE”, uma vez que a diplomação de um presidente eleito – então prevista para 19 de dezembro – “decreta o fim do processo eleitoral e determina a inexorabilidade da troca de comando no país”.
– A informação que chegou a ambos (Toffoli e Aras) foi que no dia 19 ocorreria algo sério saindo de dentro dessa ‘nuvem golpista'”, afirmou ao UOL Costa Pinto, autor do livro, em referência a 19 de dezembro, data em que estava prevista a diplomação do presidente eleito, Lula da Silva, e de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
Toffoli e Aras, então, buscaram seus interlocutores dentro do PT. O procurador convidou os contatos que tinha no partido a irem até a sua residência: o então governador baiano Rui Costa e o senador da Bahia Jaques Wagner. Ele “sugeriu aos dois petistas que propusessem à equipe de transição de Lula, e ao corpo jurídico do PT, antecipar a diplomação” de Lula, o que “desarticularia os preparativos para a intentona golpista”.
À época, desafeto do PT, Toffoli procurou o colega ministro do STF Alexandre de Moraes para repassar a mesma sugestão. E também fez o mesmo com o general da reserva Gonçalves Dias – que cuidou da segurança de Lula em seus mandatos anteriores. Embora Moraes, que na época presidia o TSE, negue ter sido procurado por Toffoli, no dia 28 de novembro Lula anunciou a antecipação da diplomação do dia 19 para 12 de dezembro. Na sequência, o TSE confirmou a data.
Moraes e Lula durante a cerimônia de diplomação do presidente eleito: Foto Alejandro Zambrana/Secom/TSE.
Ao antecipar a diplomação em uma semana isso “desorganizou e expôs o levante”, diz o livro. Mesmo assim, a sede da Polícia Federal, no centro de Brasília, foi atacada por volta das 19h30 daquele dia 12 de dezembro, quando Lula foi finalmente diplomado. Aquele foi o estopim do vandalismo de grupos bolsonaristas que naquele dia tomaram as ruas da capital, incendiando veículos e lançando botijões de gás para bloquear vias. “No dia 19 estava articulado algo bem maior do que o ocorrido no dia 12”, diz o jornalista.
A falta de providências do Ministério da Justiça e da direção-geral da PF diante da arruaça acendeu novo alerta. Toffoli e Aras se reuniram no dia seguinte à diplomação de Lula. Na ocasião, eles decidiram “manter a parceria e o compartilhamento de informações (…) até a posse do novo presidente, Lula, em 1º de janeiro de 2023”, diz o livro.
“RIVOTRIL” DE BOLSONARO
Indicado por Lula para o STF, Toffoli se afastou do PT e se aproximou de Bolsonaro a partir de 2019. No Palácio do Planalto, ele era conhecido como “Rivotril” por ter o dom de acalmar o ex-presidente, segundo revelou reportagem da colunista Vera Rosa, do Estadão.
Foi o ministro quem pediu a organização de um jantar com Bolsonaro para tentar demovê-lo do golpe. No dia 19 de dezembro, Fábio Faria ofereceu o jantar. Em dado momento, Toffoli teria chamado Bolsonaro de canto e perguntado: “O senhor acha que, se houver um ato de força, os generais quatro estrelas vão deixar um capitão (patente de Bolsonaro) assumir o poder? A história, como a de 1964, mostra que não”, diz a reportagem. Primeiro, Bolsonaro ficou em silêncio. Depois, de supetão afirmou que não planejava um golpe de Estado.
O PROCURADOR
Jair Bolsonaro e Dias Toffoli (centro) na cerimônia de posse de Augusto Aras (direita) na Procuradoria-Geral da República: Foto Pedro Ladeira/Folhapress.
“O livro é um relato jornalístico dos momentos cruciais vividos por Aras na PGR”, diz Costa Pinto. “Ele mostra qual era a relação que ele tinha com Bolsonaro, deixando claras as falhas que aconteceram naquele período, mas mostrando que, na manutenção do jogo democrático, houve sua participação silenciosa no processo”.
Era sobre essa ação silenciosa que Toffoli se referiu ao dizer que, sem Aras, “não teríamos democracia”. O ministro homenageou o então procurador-geral em seu último dia no comando do órgão, em setembro do ano passado. Na ocasião, o ministro recebia do Conselho Nacional do Ministério Público uma comenda por serviços relevantes prestados ao MP. Ao lado de Toffoli, Aras teria atuado nos bastidores desde 2021 para evitar o golpe, segundo o autor.
“Se não fosse a responsabilidade e paciência de sua excelência, Augusto Aras, talvez nós não estivéssemos aqui. Nós não teríamos democracia. Nós estivemos muito perto de uma ruptura. E na ruptura não tem Ministério Público, não tem direitos, não tem nada”. Dias Toffoli, ministro do STF, em setembro de 2023.
Por Wanderley Preite Sobrinho – Do UOL São Paulo