A dura jornada de um Processo de Indenização: O impacto da demora judicial e a busca por justiça no Brasil
A Justiça brasileira enfrenta desafios profundos no que diz respeito à morosidade processual, problema que afeta diretamente a vida dos cidadãos e revela as falhas estruturais do sistema judiciário. O caso que analisaremos hoje é emblemático: um processo de indenização tramitando há 34 anos no Paraná, ainda sem desfecho. Um dos autores, hoje com 72 anos, ainda aguarda uma resolução que deveria ter sido entregue há décadas. Este caso ilustra não apenas a lentidão judicial, mas também as graves consequências jurídicas e sociais para aqueles que dependem do desfecho da Justiça para reconstruir suas vidas.
Contexto do Caso
O processo de indenização que permanece ativo na justiça do Paraná (Processo nº 0000046-57.1990.8.16.0021) é um caso antigo que escancara o que muitos brasileiros experienciam diariamente. Após mais de três décadas, a ausência de uma solução efetiva reflete tanto o descaso como a ineficiência que permeiam o sistema judicial. A idade avançada dos envolvidos agrava ainda mais a situação, mostrando que o tempo – um recurso finito para todos, mas especialmente para os mais idosos – é muitas vezes negligenciado pelos trâmites burocráticos.
ONG que combate corrupção no Brasil suspeita de possível tráfico de influência na morosidade do processo
A ONG Olho Vivo, entidade catarinense que atua no combate à corrupção no Brasil, com diversas atuações e ações em vários estados brasileiros, e idealizadores de uma campanha inédita em favor do fortalecimento do Poder Judiciário que em breve será iniciada, ao tomar conhecimento do caso, de pronto suspeitou de algum tipo de influência para tanta demora.
Segundo a ONG, “para entender a morosidade desse processo, talvez devamos mirar em um suposto tráfico de influência. Porque não conseguimos vislumbrar algo diferente. É importante verificar se alguma parte interessada tem alguma ligação direta ou indireta com algum magistrado ou mesmo ex-magistrado, para explicar em todo ou em partes os eventuais motivos de tal demora processual. Claro que isso não é uma afirmação, mas sim uma suspeita que merece ser apurada, assim como todo o processo desde seu início, pasmem, em 1990. Uma apuração cabal dos motivos dessa demora é imprescindível para evitar que se repitam e, para garantir à sociedade uma prestação jurisdicional adequada às suas expectativas e ao espectro legal”, informou a Olho Vivo.
Segundo o presidente da ONG, “atualmente este processo está, em nosso entendimento, não somente ferindo a Constituição Federal, como também o Estatuto do Idoso: A Lei nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, prevê que processos judiciais que envolvam pessoas com idade igual ou superior a 60 anos devem tramitar com prioridade. Mais do que uma previsão legal, esta é uma questão de justiça social, dada a vulnerabilidade e o risco de violação dos direitos fundamentais de pessoas idosas. O art. 71 do Estatuto determina que “É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.” Com uma das partes envolvidas possuindo mais de 72 anos, é inaceitável que o processo não tenha recebido a devida celeridade. Essa demora não só afronta o Estatuto do Idoso, como também compromete a justiça e a dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição”, finalizou Elias Tenório, presidente da entidade.
Impactos Jurídicos:
Direito à Duração Razoável do Processo
No Brasil, o direito à duração razoável do processo está assegurado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, que determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. No entanto, a realidade desse caso expõe um grave descumprimento dessa garantia constitucional.
Precedentes e Jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou casos onde se reconheceu o direito de indenização por danos morais devido à demora excessiva em processos judiciais. Em várias decisões, o STF ressaltou que a morosidade da Justiça pode violar os direitos fundamentais e, consequentemente, resultar em responsabilidade civil do Estado. Casos como o do Recurso Extraordinário (RE) 636.331 reforçam o entendimento de que a morosidade é passível de reparação quando comprovada a negligência do poder público.
Pacto de San José da Costa Rica
O Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, que consagra, em seu artigo 8º, o direito de toda pessoa a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um tribunal competente. Este tratado é de suma importância para os direitos humanos no Brasil, pois incorpora o país em uma comunidade jurídica internacional que defende a celeridade processual. A negligência em cumprir com este direito abre margem para que os demandantes busquem até mesmo reparações em cortes internacionais.
Consequências Sociais
A demora na resolução de processos judiciais gera impactos devastadores na vida dos cidadãos, como no caso do autor de 72 anos. Ele, que confiava na Justiça para assegurar sua reparação, viu seu direito à segurança jurídica ser ignorado. A falta de celeridade compromete não apenas a dignidade, mas também a estabilidade emocional e econômica dos envolvidos.
Além disso, o descrédito na Justiça aumenta na sociedade como um todo. A percepção de que os processos demoram décadas para serem resolvidos gera um desestímulo à busca pelo Judiciário, afetando, assim, o próprio Estado Democrático de Direito, pois um sistema que não cumpre seu papel deixa os cidadãos vulneráveis e desprotegidos.
“Demora processual pode ensejar ação por danos morais contra o Estado”, diz jurista ligado à ONG Olho Vivo
Jurista ligado à Ong Olho Vivo foi ouvido pela Folha do Estado e diz que demora em processo pode ensejar indenização do Estado. Segundo o jurista:
“A responsabilidade do Estado por demora excessiva em processos judiciais é um tema fundamental no âmbito dos direitos fundamentais e da proteção dos cidadãos contra abusos de poder, especialmente quando há um prolongamento irrazoadamente longo de processos. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, prevê o direito à “razoável duração do processo” e à “celeridade de sua tramitação”. Assim, a demora de 34 anos na tramitação de um processo no Paraná, com um dos autores hoje contando com 72 anos, revela uma violação grave desse direito e impõe uma responsabilidade ao Estado por possíveis danos morais causados pela injustificável espera.
Fundamentação Jurídica
O direito à razoável duração do processo é uma das garantias fundamentais inscritas na Constituição e reforçadas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu o princípio da celeridade processual. Além disso, o artigo 37, § 6º, da Constituição prevê a responsabilidade civil objetiva do Estado, que responde pelos danos causados a terceiros em virtude de atos dos agentes públicos. Isso significa que, quando o Poder Judiciário causa prejuízo a uma das partes, seja por ação ou omissão, cabe ao Estado responder por tais danos, sem necessidade de comprovar culpa ou dolo.
Na prática, a lentidão excessiva e injustificada no andamento de um processo configura uma violação dos direitos dos cidadãos, impondo ao autor, que já se encontra em idade avançada, um ônus emocional e psicológico significativo. É possível caracterizar tal situação como “dano moral” – um sofrimento que ultrapassa o mero dissabor e causa prejuízo concreto à saúde, à qualidade de vida e até à dignidade do autor. Assim, a jurisprudência vem progressivamente reconhecendo a responsabilidade do Estado em casos de demora excessiva.
Jurisprudência Aplicável
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedentes importantes sobre o direito à razoável duração do processo e a responsabilização do Estado por omissões que causam danos aos jurisdicionados. No Recurso Especial 1.338.410/RS, por exemplo, o STJ consolidou entendimento de que a demora injustificada em processos pode gerar indenização por danos morais, afirmando que o Judiciário, como órgão estatal, deve zelar pela celeridade processual e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.
Ainda, a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal (STF) reforça que “a mora no pagamento de precatório não gera multa, mas juros de mora”. Isso ilustra que, mesmo em esferas específicas, a responsabilidade estatal pela celeridade processual é uma preocupação presente nas mais altas cortes brasileiras, tendo sido consolidada para assegurar direitos de quem depende das decisões judiciais.
Responsabilidade do Estado e Dever de Indenizar
A responsabilidade do Estado pela morosidade na condução de processos judiciais é amplamente sustentada pela doutrina. Para autores como Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, o Estado responde objetivamente quando um processo é protelado de forma abusiva, violando o princípio da eficiência e afetando diretamente os direitos de uma das partes.
Ademais, o atraso na tramitação do processo de 34 anos impôs ao autor, hoje idoso, uma série de prejuízos, privando-o da resolução de seu conflito e da segurança jurídica que deveria ser garantida pelo Estado. Nesse caso, a indenização por dano moral é não apenas cabível, mas necessária para reparar o sofrimento prolongado e a incerteza jurídica.
Conclusão
A demora excessiva de um processo de mais de três décadas, com um dos autores atualmente com 72 anos, não apenas viola o direito fundamental à razoável duração do processo, mas também demonstra a falha do Estado em garantir uma justiça eficaz e célere. Com base na Constituição Federal, em precedentes jurisprudenciais e na doutrina dominante, é possível concluir que o autor tem o direito a uma indenização por danos morais causados pela violação de seus direitos fundamentais. A responsabilização do Estado é, portanto, um caminho legítimo e necessário para reparar o dano sofrido e assegurar que o direito à justiça seja efetivamente garantido”, afirmou o jurista.
Uma Reflexão Final
O caso de indenização que há 34 anos aguarda uma solução expõe uma faceta sombria do sistema judicial brasileiro. Embora nossa Constituição e tratados internacionais garantam direitos aos cidadãos, a realidade ainda é distante do ideal. O Brasil precisa adotar reformas estruturais profundas que envolvam tanto a capacitação dos profissionais quanto o investimento em tecnologias que possam acelerar a tramitação processual.
A falta de uma solução célere transforma a busca por justiça em um processo de sofrimento contínuo, prejudicando diretamente os envolvidos e a confiança da sociedade no sistema jurídico. Que este caso sirva de reflexão sobre a urgência de uma reforma que priorize a dignidade e o tempo dos cidadãos, elementos fundamentais para que a justiça não se transforme em uma promessa vazia.
Com uma análise cuidadosa das garantias constitucionais, da jurisprudência e do cenário social, fica evidente que o sistema judicial precisa enfrentar esses desafios com compromisso. A mudança é uma necessidade para que a justiça seja de fato um direito de todos.
Fotos: Divulgação Internet