Projeto estava na pauta da CCJ desta terça e, se votado, iria direto ao plenário da Câmara. Decisão de Lira reinicia processo; comissão terá 34 membros e ainda será criada
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu nesta terça-feira (29) criar uma comissão especial para debater o projeto de lei que pode anistiar as penas dos condenados pelos atos de vandalismo em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
Na prática, a decisão devolve à estaca zero a tramitação do texto, que estava na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desta terça. O projeto não será mais analisado pela CCJ – nem agora, nem depois.
Se fosse aprovado pela CCJ, o texto iria direto para o plenário da Câmara, onde caberia ao próprio Arthur Lira a decisão de colocar o projeto em votação.
Ao criar a comissão especial, Lira cria uma tramitação mais longa para a matéria: os partidos terão que indicar membros, a comissão terá que ser instalada, eleger presidente e relator, criar cronograma de debates e, só então, votar.
Em pronunciamento nesta terça, ao anunciar apoio a Hugo Motta (Republicanos-PB) como seu sucessor no comando da Câmara, Lira defendeu que os deputados debatam o tema e busquem uma “convergência” sobre o texto.
“O tema deve ser debatido pela Casa, mas não pode jamais, pela sua complexidade, se converter em devido elemento de disputa política, especialmente no contexto das eleições futuras da Mesa Diretora da Câmara”, disse.
“Essa comissão seguirá rigorosamente todos os ritos e prazos regimentais, sempre com a responsabilidade e o respeito que são próprios deste parlamento. Também nessa temática, é preciso buscar a formação de eventual convergência”, seguiu Lira.
A CCJ é comandada pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro e defensora do projeto. A parlamentar chegou a colocar o texto em votação, mas aliados de Lula pediram mais prazo e adiaram a análise.
O texto é considerado inconstitucional por juristas e, mesmo se aprovado na Câmara, tem ainda que passar pelo Senado e pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Se entrar em vigor, pode também ser alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ataque às sedes dos 3 Poderes e à democracia foi sem precedentes na história do Brasil. Os vândalos quebraram vidraças, móveis, obras de arte e objetos históricos, invadiram gabinetes de autoridades, rasgaram documentos e roubaram armas.
POR QUE UMA COMISSÃO ESPECIAL?
Até esta segunda, a previsão era de que o projeto passasse apenas pela CCJ e, depois, fosse enviado diretamente ao plenário da Câmara.
No despacho que mudou essa previsão, Lira diz que “a complexidade e o caráter multifacetado do tema em questão desaconselham uma análise exclusiva no âmbito de uma única comissão de mérito nesta Casa”.
E, por isso, define que o texto deveria passar por pelo menos outras seis comissões: Administração e Serviço Público; Comunicação; Direitos Humanos; Relações Exteriores, e Segurança Pública.
O regimento interno da Câmara, no entanto, define que projetos que sejam pautados para quatro comissões ou mais tramitam, em vez disso, em uma comissão especial. E, depois, vão direto a plenário.
A comissão, segundo definiu Lira, terá 34 membros titulares. O despacho não define prazo para que os partidos políticos indiquem membros para o colegiado.
IMPACTO NA ELEIÇÃO DA CÂMARA
O projeto entrou no cálculo político para a eleição à presidência da Câmara, marcada para fevereiro de 2025. De um lado, está o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que cobra apoio de Lira à proposta em troca de apoiar quem Lira escolher como sucessor no comando da Casa.
Do outro lado, está o PT – que já adiou a adesão à candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB) ao posto por não ter recebido uma sinalização clara contra o projeto da anistia. O PT já decidiu que vetará o apoio a quem encampar esse texto. Lira deve anunciar seu apoio formal a Hugo Motta nesta terça.
Enquanto isso, as bancadas avaliam a posição de nomes como Elmar Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA), que devem lançar uma candidatura unificada para fazer frente a Motta. E, como parte desse movimento, vêm articulando contra o PL da Anistia para atrair o PT.
DETALHES DO PROJETO
Segundo o texto, ficam perdoados todos os que participaram de manifestações com motivação política eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre 8 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor da lei.
A proposta permite que o perdão se estenda a eventos anteriores ou subsequentes, desde que haja relação com os atos de 8 de janeiro. O texto, no entanto, não alcança os crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, os crimes hediondos e crimes contra a vida.
ALÉM DISSO, O PROJETO:
- altera a redação dos crimesde Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado, exigindo que haja necessidade de violência contra a pessoa para enquadramento nos delitos.
- anula as multas aplicadas pela Justiça Eleitorala pessoas e empresas que tenham de alguma forma participado dos atos.
- estabelece que condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser baseados nos chamados crimes multitudinários – aqueles cometidos em grupo, quando todos contribuem para o resultado a partir de uma ação conjunta.
- devolve direitos políticose termina com outras implicações cíveis ou penais para todos os beneficiados pela anistia.
O relator também propôs que pessoas físicas e jurídicas não poderão ser diretamente punidas por financiar movimentos e manifestações em que integrantes agirem contra a lei.
A responsabilização penal, segundo o parecer, somente poderá ocorrer se houver comprovação de dolo direto (intenção) e nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido.
Por Kevin Lima – g1 Brasília