Durante o voo entre Goiânia e Piedade de Caratinga, o piloto do avião que levava a cantora Marília Mendonça e outros 2 passageiros, além do copiloto, se comunicou quatro vezes pela frequência de rádio local. Segundo um piloto da região que guiava um monomotor de Viçosa para o mesmo destino no mesmo horário, as mensagens de Geraldo Martins de Medeiros Júnior davam a impressão de um voo normal.
O único detalhe mais diferente que ele se lembra é de o condutor da aeronave que caiu na última sexta-feira matando cinco pessoas ter repetido duas vezes que iria iniciar o procedimento de pouso, chamado de “perna do vento” no jargão técnico da aviação.
“Ele disse que estava pegando a perna do vento e, cerca de 20 segundos depois, voltou a dizer que estava pegando a perna do vento 02, o que significa que estava iniciando o procedimento padrão de pouso. Isso não configura uma anormalidade pois os pilotos podem prolongar um pouco o tempo do pouso”, explicou o piloto, que trabalha para empresários da região e é experiente no mapa cartográfico de lá.
Ele prefere não se identificar e já deu depoimento para os órgãos responsáveis por investigar as possíveis causas do acidente, entre eles o Seripa (Serviços Regionais de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos). Como a frequência é aberta, as mensagens trocadas durante os voos não ficam registradas em qualquer gravação.
Subadministrador do Aeroporto de Caratinga, Roni Macedo calcula que a aeronave estava a 4,8 km na hora da queda. Calculando em tempo de voo, isso dá em torno de dois minutos.
Ainda no depoimento, o piloto de Caratinga disse que, diante dessa informação, respondeu que também tinha intenção de pousar no mesmo local, mas que ainda faltava cerca de dez minutos para isso. Depois desse dilálogo, não houve mais qualquer interação. “É tempo mais que suficiente para acontecerem os dois pousos em segurança. Tanto que o outro piloto chegou como previsto”, explica Macedo.
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Aeródromo pequeno e terceirizado
O aeródromo de Caratinga é pequeno, categoria 1 pela classificação da Anac. Como faltam recursos para o poder público dos dois municípios bancarem sua manutenção e sobram aviões particulares na região, há cinco anos a administração foi terceirizada, por decreto. Segundo Macedo, é uma gestão não remunerada. Ou seja: quem cuida não ganha, mas também não gasta.
Como assim? Seguinte: o aeroporto é custeado por empresários locais, numa espécie de vaquinha. O valor varia de um mês para o outro, dependendo do que precisa ser feito. “Tudo de uma maneira muito amistosa, conversado em almoços entre os empresários”, conta ele.
O dinheiro arrecadado nos encontros é empregado em reparos da pista, manutenção paisagística, iluminação etc. Ao longo dos anos, a estrutura vem passando por upgrades . Um hangar foi construído, assim como banheiros e uma pequena lanchonete. O horário de funcionamento é: “entre o nascer e o por do sol”. Não há voos noturnos em Caratinga. Na rotina diária do aeródromo, três funcionários dão expediente.
Manual de funcionamento
Não é preciso fazer “reserva” para usar a pista de Caratinga. Basta avisar por radiofrequência que pretende fazê-lo minutos antes do pouso. Caso nenhum outro piloto manifeste a mesma intenção no mesmo horário, a autorização está automaticamente dada.
Mas é obrigatório que o piloto consulte um documento chamado “carta de aproximação”. Nele ficam registrados os obstáculos existentes no perímetro de 4 km do aeródromo. No de Caratinga, constam um conjunto de morros e a chaminé de uma cerâmica. As torres da companhia elétrica Cemig não estão lá, pois ficam fora da obrigatoriedade de registro. Uma das hipóteses para o acidente é que a aeronave em que estava Marília tenha batido num fio de uma dessas torres, e o fio teria se enrolado no eixo existente entre a hélice e um de seus dois motores. Macedo ressalta. “Nunca nenhum avião foi visto voando tão baixo próximo das torres. A grande pergunta é: por que isso aconteceu?”.