Suspeitos usaram celulares e servidores do exterior
Mauro Cid (de farda verde) caminha ao lado de Bolsonaro em viagem aos EUA. Imagem: Alan Santos/Presidência da República.
Militares e suspeitos de tramar um golpe de estado no Brasil usaram celulares com números dos EUA e servidores no exterior, inclusive para a difusão de desinformação sobre uma suposta fraude eleitoral.
No informe produzido pela Polícia Federal que serviu para embasar o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas, trechos apontam para uma tentativa de escapar da Justiça brasileira.
A PF dedicou parte do inquérito para apontar a existência de um suposto esquema de produção de desinformação sobre a eleição de 2022. A meta era a construção de uma narrativa de que uma fraude teria ocorrido e, assim, justificar um golpe. O ato seria “coordenado” e com o uso de “diversos meios para disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral brasileiro”.
– O material apresentando falsas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas produzidas antes de 2020, foi elaborado pelo grupo, inclusive com o auxílio do que Mauro Cid chamou de ‘nosso pessoal’, se referindo aos especialistas na área de informática (inclusive hackers) – diz o relatório da PF.
– Seguindo a estratégia de difusão por multicanais, os investigados repassaram o conteúdo para o argentino Fernando Cerimedo, que disseminou o material falso em uma live realizada no dia 04/11/2022. O conteúdo da live foi resumido e propagado por vários integrantes da organização, inclusive por militares – aponta o inquérito.
– Em seguida, visando burlar as ordens judiciais de bloqueio, os investigados disponibilizaram o conteúdo em servidores localizados fora do país – revelou a PF. “O intuito da divulgação era manter mobilizados os manifestantes contrários ao resultado das urnas na eleição presidencial de 2022”, disse. Para a PF, a meta era “criar uma atmosfera de indignação e revolta popular”.
O uso de servidores no exterior foi primeiro revelado pelo portal Vero Notícias, que explicou como Cid teria enviado dados sigilosos a um servidor nos EUA, por ordem de Bolsonaro.
No documento, a PF afirma que “identificou-se ainda que o mesmo conteúdo também estava contido no documento nominado, ‘bolsonaro min defesa 06.11-semifinaldocx’, endereçado ao General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então Ministro da Defesa e encaminhado por Cid ao General Braga Netto, por WhatsApp”.
De acordo com a PF, o tenente-coronel Marques de Almeida, então lotado no Comando de Operações Terrestres do Exército (COTER), dentro da divisão de tarefas estabelecida pelos investigados, “atuou deliberadamente para burlar a ordem judicial de bloqueio do conteúdo falso sobre o sistema eleitoral brasileiro, disponibilizando o material produzido por Cerimedo em servidores localizados fora do país.
O próprio Cerimedo ainda participou como convidado da 32ª Reunião Extraordinária – Audiência organizada pela CTFC (Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor) para “discutir a fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais”.
Ele teria aproveitado o evento para propagar informações falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral de 2022, como forma de acirrar as manifestações que estavam ocorrendo naquele momento. “Os elementos identificados corroboraram a ação coordenada do grupo investigado, no sentido de disseminar por múltiplos canais os dados falsos sobre o sistema eletrônico de votação”, aponta o relatório.
CELULAR ESTRANGEIRO
Num outro trecho da investigação, a PF revela os detalhes da preocupação da cúpula bolsonarista com o conteúdo do documento apreendido e que seria um decreto estabelecendo um golpe de estado.
Mas, numa troca de mensagens, Cid opta por usar um número de celular estrangeiro. “Mauro Cid encaminhou o link da reportagem (que falava da apreensão do decreto) para Filipe Martins, utilizando seu número de WhatsApp norte-americano”, diz a PF.
O uso do aparelho estrangeiro gerou desconfiança por parte do ex-assessor internacional de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, também indiciado. “Possivelmente, como se tratava de um número novo, desconhecido por Filipe Martins, Mauro Cid manda uma nova mensagem se identificando. Em resposta, Filipe Martins encaminhou seis mensagens, que foram apagadas antes de serem lidas por Cid”, diz o inquérito.
– Aparentemente Filipe Martins não confiou nas mensagens enviadas por Cid do número americano. Diante disso, ele enviou uma mensagem para o número brasileiro de Cid questionando-o se havia enviado mensagens de outro número – descreve o documento que embasou o indiciamento.
“Foi você que me mandou mensagem de um número americano?”, perguntou Martins.
Cid confirmou e, então, Martins encaminhou novamente várias mensagens. “Em seguida, demonstrando preocupação com o conteúdo postado, adotando o procedimento de supressão de provas, Cid diz: “Pode apagar”, destaca o relatório. As mensagens foram novamente apagadas por Martins.
Por Jamil Chade – colunista do UOL em Nova York