HOJE FAZ uma semana que MC Kevin morreu, ao cair do quinto andar de um prédio na zona oeste do Rio. Rennan da Penha, o entrevistado de hoje desta coluna, fala sobre o trabalho do cantor e diz que o funk está de luto. Rennan, que estourou com o hit ‘Eu vou Parar na Gaiola’ agora aposta na mistura com a pisadinha. “A ideia é sempre trazer novidades”, conta ele, que tem um lado nerd: “Sou fissurado em videogame e DC. Quer falar comigo, só chegar nesse papo que é certo”.
Você é o criador de um dos bailes mais importantes da história do funk e um dos maiores também, com mais de 20 mil pessoas em 16 horas. À que você credita o sucesso do ‘Baile da Gaiola’?
Importante frisar que o baile foi criado pelos barraqueiros da comunidade. Eu sou um dos DJs que tocavam no baile. Produzi e estourei vários hits de sucessos, um deles foi o ‘Eu Vou Parar na Gaiola’, que me rendeu dois prêmios Multishow. O público ia pro baile pra se divertir e conhecer de perto a realidade cantada nos hits de sucessos do ‘Baile da Gaiola’.
Por que decidiu investir na pisadinha? Pretende combiná-la ao funk e algum próximo trabalho também?
Eu sempre gostei de inovar. Tô explorando outros ritmos. Já tinha trabalhado com o brega em ‘Black Friday de Gostosa’, com rap em ‘Joga pra Mim’, pagode em ‘Já toa’ e por aí vai. Quando vi essa moda do piseiro pensei logo: ‘por que não com funk?’. A ideia é sempre trazer novidades.
Pensa em carreira internacional?
Claro! Estamos trabalhando pra isso! Grandes coisas estão por vir, e em paralelo a isso, nossa produtora Hitzada acabou de fechar contrato com a Sony Music e vamos lançar vários hits do Brasil pro mundo.
Tem planos para gravar um novo DVD?
Sim! Aguardando ansiosamente o povo todo vacinado e a volta da normalidade e das aglomerações sem risco.
Sonha fazer um feat com alguém que ainda não conseguiu? Quem?
Quero muito gravar com dois ídolos: Pop Smoke e o 50cent. Espero um dia conseguir realizar. Vai ser fod#.
Você conhecia ou tinha amizade com MC Kevin?
Conhecia, mas infelizmente não tive oportunidade de me tornar amigo. Já conversaram alguma vez sobre a possibilidade de um trabalho juntos? Não, ele era um grande artista, estava na minha lista de futuros feats mas não chegamos a trocar essa ideia.
O que representa a morte do Kevin para o funk da periferia? Como mensurar essa perda?
Uma grande perda, né? Não só pro funk de periferia, mas em um modo geral. O Kevin era um grande artista e perdemos muito. Ele já fazia muito sucesso e tinha tudo pra crescer ainda mais. Ele é mais um exemplo de que podemos chegar onde queremos. Que bom que ele conseguiu alcançar grandes marcas enquanto vivia. Ele realmente tinha muita coisa ainda pela frente. Vamos viver galera, claro que nos momentos atuais precisamos nos cuidar, mas valorizem o que tem, quem tá aí contigo e principalmente, sigam sonhando. Meus sentimentos à família, amigos e aos fãs. O funk está em luto.
No meio artístico é comum você ser alvo de preconceito por ter vindo da comunidade e trabalhar com o funk menos ligado ao pop?
Sempre somos taxados, né? Mas eu nunca me oprimi a isso, não costumo baixar minha cabeça, chego e mostro que podemos e devemos ter espaço. O funk – principalmente o que vem da favela – é o que sustenta a pirâmide dos que estão lá em cima.
O que dizer para quem já te subestimou?
Nem preciso dizer nada, eu sigo fazendo meu trabalho focado e acreditando em mim. Acho que isso já basta para calar quem me subestimou um dia.
O que é mais difícil: chegar ao topo, ser um dos maiores produtores do Brasil ou lidar com a vaidade alheia?
Chegar ao topo não seria bem o termo, mas acredito que seria ganhar reconhecimento. Nunca tive grandes oportunidades, precisei conquistar e mostrar que meu trabalho, meu talento, valiam a pena. Graças a Deus vem dando certo, mas muitos talentos são perdidos por aí pela falta de oportunidade e reconhecimento.
Você viu?
Recentemente, você denunciou um ex-empresário por calotes. O que aconteceu?
É aquela história de sempre: não se pode confiar em todo mundo. Mas a gente aprende e hoje estou feliz com meu novo escritório, onde também sou sócio e posso ficar por dentro de tudo na minha carreira.
Você sempre quis trabalhar com funk? Tinha outro sonho ou um plano B?
O caminho era bem diferente, confesso. Sempre fui muito fã de tecnologia, cinema, sou muito voltado para a área de super-heróis e games, e também desenho muito bem. Modéstia à parte (risos). O funk surgiu por acaso na minha vida e me apaixonei.
O funk ainda sofre preconceito, ainda é discriminado?
Com certeza! Há muitos anos que somos taxados e não vejo melhora, apenas estamos ganhando forças para poder bater de frente. Um ritmo que surgiu nas favelas, na maioria das vezes tocado/cantado por nós é difícil de ver a alta classe bater palma, né? Mas não desistimos! Seguimos produzindo e mostrando que o funk pode estar em qualquer espaço. É cultura. E vamos combinar que uma festa sem funk… não pode nem ser considerada festa.
De vez em quando a gente fica sabendo de uma briga aqui, uma briga ali entre cantores, produtores e empresários. É um meio de muita intriga?
É um meio muito complicado sim, mas qual meio, não é? Lidamos com muitas pessoas e infelizmente tem de todos os jeitos. Felizmente tenho uma equipe na qual confio, isso me dá muita tranquilidade para trabalhar.
Do que você tem medo?
Hoje o meu medo é de perder alguém que amo. Acredito que seja o de todo mundo nesses tempos sombrios.
Um sonho que ainda vai realizar?
São muitos. Quero poder experimentar novas experiências, morar fora, conhecer novas culturas. Sou louco por Nova York, ainda não tive a chance de conhecer, mas quem sabe um dia poder morar por lá. Junto com isso é internacionalizar meu trabalho, o mundo merece o funk, tão perdendo muita coisa.
O que ninguém imagina que Rennan da Penha faz ou gosta e quem ninguém desconfia?
Acredito que a galera do Twitter já vai se ligar nessa, mas tenho certeza de que ninguém desconfiava do meu lado nerd até antes da pandemia. Sou fissurado em videogame e DC. Quer falar comigo, só chegar nesse papo que é certo!
O que você costuma ouvir sem ser funk?
Muito hip-hop! Sou um grande fã do G-Unit, antigo grupo do 50Cent. Costumo trazer muitos insights do hip-hop para minhas produções.
O setor do entretenimento é um dos que mais sofre com a pandemia do coronavírus por falta de shows e eventos há um ano. Como você tem se virado? Como tem sobrevivido?
Uma organização financeira foi necessária. Mas a gente se reinventa sempre que é preciso. Tivemos nossa época de lives e agora estou focado nas produções. Com a Hitzada continuamos gravando e produzindo músicas. Não podemos tocar em shows ainda, mas já estamos disponibilizando nas plataformas digitais.
Rennan hoje está solteiro, namorando ou enrolado?
Digamos que estou solteiro e namorando (risos).
Do que se arrepende e talvez, se pudesse, faria diferente?
Não tenho arrependimentos. Acredito que precisamos viver nossas questões para ser quem somos. Assim podemos aprender e melhorar sempre.