SUAVE MILAGRE
Um dos mais belos escritos sobre Jesus pertence (por incrível que pareça) a Eça de Queiroz, um dos mais fortes críticos da sociedade hipócrita, que aqui mostra seu coração enternecido.
CONTO
Nesse tempo Jesus ainda não saíra da Galileia, das margens do Lago de Genezaré, mas a nova de seus milagres já havia chegado a Siquém, cidade rica, situada entre vinhedos, no país de Samaria.
Ora! Junto a Siquém, num casebre muito pobre vivia uma viúva desgraçada entre todas, que tinha um filho doente com as febres. O chão miserável não estava caiado, nem nele havia enxerga. Na lâmpada de barro vermelho secara o azeite. O grão faltava na arca, o roído dormente do moinho doméstico cessara, e esta era, em Israel, a evidência cruel de infinita miséria.
A pobre mãe, sentada a um canto, chorava. Estendida sobre seus joelhos, embrulhada em farrapos, pálida e tremendo, a criança lhe pedia numa voz débil como um suspiro, que lhe fosse chamar esse Rabi da Galileia de quem ouvira falar junto ao poço de Jacó, que amava as crianças, que nutria as multidões e curava todos os males humanos com a carícia de Suas mãos.
E a mãe dizia, chorando: “como queres tu, meu filho, que eu te deixe e vá procurar o Rabi da Galileia. Obed é rico, tem muitos servos, eu os vi passar e embalde buscaram Jesus por cidades e arraiais, desde Corazim até o país de Moab. Septimos é forte, tem soldados, e também os vi passar, e perguntavam por Jesus sem o acharem, desde o Hebron até o mar. Como querem que eu te deixe?”
Jesus está longe e nossa dor está conosco. E sem dúvida o Rabi, que lê nas novas sinagogas, não escuta as queixas de uma mãe de Samaria, que só sabe ir orar, como outrora, no alto do monte Garizim!
A criança – com olhos cerrados, muito pálida e quase morta – murmurava o nome de Jesus, e a mãe continuou:
De que servirá, meu filho, partir e ir procura-Lo? Longas são as estradas da Síria, curta é a piedade dos homens. Vendo-me tão pobre e tão só, os cães viriam ladrar-me à porta dos casais. De certo Jesus morreu, e com Ele morreu uma vez mais, toda a esperança dos tristes.
Pálida e desfalecida, a criança murmurou de novo: “Mamãe, eu queria ver Jesus da Galileia”!
E, logo, abrindo devagar a porta, Jesus entrou, e sorrindo lhe disse: “Aqui Estou”!