UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA SOBRE AS MARCHAS PARA JESUS

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AS MARCHAS PARA JESUS

A “Marcha para Jesus” é um evento que acontece em muitas cidades do Brasil, patrocinado pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo, e consiste basicamente numa grande passeata de evangélicos com shows gospel. O evento ocorre no Brasil desde 1993 e costumava dividir opiniões tanto na mídia secular quanto evangélica. Hoje, já mais arrefecida, a “Marcha” continua chamando a atenção, embora com menos intensidade. O presente artigo visa apresentar uma análise crítica, não do evento propriamente dito, mas das razões e argumentos apresentados para justifica-lo.

Por L. Pimentel

HISTÓRICO DA MARCHA PARA JESUS

Conforme informações, a primeira Marcha para Jesus aconteceu em 1987 na cidade de Londres (Inglaterra) e foi fundada pelo pastor Roger Forster, pelo cantor e compositor Graham Kendrick, Gerald Coates e Lynn Green. Portanto, não é uma invenção da Igreja Renascer do Brasil. Ela simplesmente importou a idéia para nossa pátria. No início da década de 90, a Marcha se tornara um evento de proporções continentais, ocorrendo em toda Europa. Em 1992 a Marcha para Jesus já se tornava em um movimento mundial, chegando a outros países da América, África e Ásia. No ano de 1993, chega a vez de o Brasil realizar a sua primeira edição do evento, sob a orientação da Igreja Renascer. A partir daí, a cada ano, o evento toma mais e mais aspecto de show gospel, apresentação de artistas evangélicos e desfiles, sempre com muita dança ao som de pagode e dos axés ditos evangélicos. Em alguns locais, não sabemos se de acordo com a coordenação da Marcha ou não, políticos evangélicos têm aproveitado a oportunidade para falar ao povo (na maioria das vezes para críticas a políticos, em detrimento daquilo a que o evento se propõe)…

A IDEOLOGIA POR TRÁS DA MARCHA

Existe uma justificativa teológica elaborada para a Marcha, que procura abonar o evento à luz da Bíblia. Os pontos que descrevo aqui foram retirados do site Marcha para Jesus: www.marchaparajesus.com.br e se constituem na “Teologia da Marcha”. Aliás, a maior parte deles se encontra exatamente debaixo do tópico “teologia” no site da Marcha. Segue aqui um resumo dos principais argumentos, entre outros, seguidos de um breve comentário. A ordem de “marchar” aparentemente foi dada mediante revelação do Espírito Santo.
O site diz que a visão inicial da Marcha para Jesus, como qualquer outra ação em que os cristãos empreendem para Deus, está baseado no conhecimento e na obediência. Nós acreditamos que Deus diz para que marchemos, e esta obediência precede uma revelação. O Espírito Santo de Deus nos conduz em toda a verdade (João 16:13) e a teologia do ato de marcharmos para Jesus emerge quando nós nos engajamos para ouvir o que o Espírito Santo está dizendo para uma Igreja atuante e batalhadora nesta terra.
Esse parágrafo não é claro, mas dá a entender que a visão inicial foi mediante uma revelação de Deus, seguida da obediência da Renascer, em cumprir sua visão. Líderes da Renascer negam que a visão inicial foi dada por revelação. Contudo, o parágrafo sugere que a visão da Marcha foi dada pelo Espírito para a Renascer. Quando nos lembramos que a Renascer tem um “apóstolo” (uso o termo entre aspas, não por qualquer desrespeito ao líder da Renascer, mas porque não creio que existam apóstolos hoje à semelhança dos Doze que acompanhavam Cristo, especialmente Paulo), imagino que “revelações” – uso o termo entre aspas não por desrespeito às práticas da Renascer, mas porque não creio que existam novas revelações da parte de Deus hoje – devam ser frequentes.
Segundo a Renascer, a Marcha é uma declaração teológica: a Igreja está em movimento e está viva! É o meio pelo qual os cristãos querem ser conhecidos publicamente como discípulos de Jesus. Se esta é a forma bíblica dos cristãos mostrarem que estão vivos e que são seguidores de Jesus, é no mínimo estranho que não encontremos o menor traço de marchas para Jesus no Novo Testamento, ou para Deus no Antigo Testamento.
A Marcha é entendida como uma celebração semelhante às do Antigo Testamento, possuindo uma qualidade extremamente espontânea e alegre. Participam da Marcha jovens de caras pintadas, cartazes, roupas coloridas e canções vivazes. Isto é visto como uma celebração do amor extravagante de Deus para o mundo.
Na minha avaliação, o ponto acima dificilmente pode ser tomado como um argumento bíblico ou teológico para justificar o evento. As “marchas” de Israel no Antigo Testamento, não tinham como alvo evangelizar os povos – ao contrário, eram marchas de guerra, para conquistá-los ou exterminá-los, conforme o próprio Deus mandou naquela época. Fica difícil imaginar os israelitas organizando uma marcha através de Canaã, com os levitas tocando seus instrumentos e dando shows, para ganhar os cananeus para a fé no Deus de Israel!
Marchar para Jesus é visto também como um ato profético que dá consciência espiritual às pessoas. Josué mobilizou o povo de Israel para marchar ao redor das paredes de Jericó. Jeosafá marchou no deserto entoando louvores a Deus. Quando os cristãos marcham, estão agindo profeticamente.
Entendo que se trata de um uso errado das Escrituras. Por exemplo: se vamos tomar o texto de Josué como uma ordem para que os cristãos marchem, por que então somente marchar? Por que não tocar trombetas? E por que só marchar uma vez, e não sete ao redor da cidade inteira? (Igual ocorre na Meca). E por que não mandar uma arca com as tábuas da lei na frente? E por que não ficar silencioso nas seis primeiras vezes e só gritar na sétima?
Marchar para Jesus traz uma sensação natural de estar reivindicando o lugar no qual os participantes caminham. Acredita-se que assim libera-se no mundo espiritual a oportunidade desejada por Deus: “Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, eu a darei …” (Josué 1.3).
Será esta uma interpretação correta das Escrituras? Podemos tomar esta promessa de Deus a Josué e ao povo de Israel como sendo uma ordem para que os cristãos de todas as épocas marquem o terreno de Deus através das marchas? Que evangelizem, conquistem, e ganhem povos e nações para Jesus através de marchar no território deles? Que estratégia é esta, que nunca foi revelada antes aos apóstolos, Pais da Igreja, missionários, reformadores, evangelistas de todas as épocas e terras, e da qual não encontramos o menor traço na Bíblia?
A Marcha destrói as fortalezas erguidas pelo inimigo em certas áreas das cidades e regiões onde ela acontece, declarando com fé que Jesus Cristo é o Senhor do Brasil. Mas, onde está a fundamentação bíblica para tal? Na verdade, este ponto é baseado em conceitos do movimento de batalha espiritual, especialmente o conceito de espíritos territoriais, e em conceitos da confissão positiva, que afirmam que criamos realidades espirituais pelo poder das nossas declarações e palavras.
Os defensores da Marcha dizem que ela projeta a presença dos evangélicos na mídia de todo o Brasil. É verdade, só que a projeção nem sempre tem sido positiva. Além de provocar polêmica entre os próprios evangélicos, a mídia secular tem tido por vezes avaliação irônica e negativa.
Os defensores da Marcha dizem que pessoas se convertem no evento. No entanto, não nos é dito qual é o critério usado para identificar as verdadeiras conversões. Levantar a mão ou ir à frente durante os shows e as pregações da Marcha, é um critério bastante questionável. As estatísticas que temos nos dizem que apenas 10% das pessoas que atendem a um apelo em cruzadas de evangelização em massa, como aquelas de Billy Graham, permanecem nas igrejas. Mas, mesmo considerando as conversões reais, ainda não justificaria, pois não raras vezes Deus utiliza meios para converter pessoas, meios esses que não se tornam legítimos somente porque Deus os usou. Por exemplo, o fato de que maridos descrentes se convertem através da esposa crente, não quer dizer que Deus aprova o casamento misto, e nem que namorar descrentes para convertê-los seja estratégia evangelística adequada.
Os defensores dizem ainda que a Marcha promove a unidade entre os cristãos. Em alguns lugares do mundo, a Marcha é concluída com um “pacto” entre as denominações, confissões e indivíduos, exigindo que cada um deles não faça mais discriminação por razões doutrinárias.
Soumos favoráveis à unidade entre os verdadeiros cristãos. Mas não a qualquer preço e não qualquer tipo de união. A unidade promovida pela Marcha, sob as condições mencionadas acima, tem o efeito de relegar a doutrina bíblica a uma condição secundária. O resultado é que se deixa de dar atenção à doutrina. Em nome da unidade, abandona-se a exatidão doutrinária. Deixa-se de denunciar os erros doutrinários grosseiros que estão presentes em muitas denominações, erros sobre o ser de Deus, sobre a pessoa de Jesus Cristo, a pessoa e atuação do Espírito, o caminho da salvação pela fé somente, etc. Unidade entre os cristãos é boa e bíblica somente se for em torno da verdade. Jamais devemos sacrificar a verdade em nome de uma pretensa unidade. A unidade que a Marcha mostra ao mundo não corresponde à realidade. Ela acaba escondendo as divisões internas, os rachas doutrinários, as brigas pelo poder e as divisões que existem entre os evangélicos. Se queremos de fato unidade, vamos encarar nossas diferenças de frente e procurar discuti-las e resolve-las em concílios, reuniões, na mesa de discussão – e não marchando. Os defensores da Marcha dizem que ela é uma forma de proclamação do Evangelho ao mundo.
A resposta que damos é que a proclamação feita na Marcha vem misturada com apresentações de artistas gospel profissionais, ambiente de folia e danceteria, a ponto de perder-se no meio destas, outras coisas. Além do mais, a mensagem proclamada é aquela do Renascer em Cristo, com a qual naturalmente as igrejas evangélicas históricas não concordariam, pois é influenciada pela teologia da prosperidade e pela batalha espiritual.
É evidente que, analisada de perto, a “teologia da Marcha” não se constitui em teologia propriamente dita. Os argumentos acima não provam que há uma revelação para que se marche, e não justificam a necessidade de os cristãos obedecerem organizando marchas. Não há qualquer justificativa bíblica para que os cristãos façam marchas, nem qualquer sustentação bíblica para a idéia de “dar a Deus a oportunidade” mediante uma marcha, ou ainda de que, marchando e declarando, se conquistam regiões e cidades para Cristo. Se há fundamento bíblico, por que os primeiros cristãos não o fizeram? Por que historicamente a Igreja Cristã nunca fez?
Pelos motivos acima mencionados, entendo que os argumentos bíblicos e teológicos apresentados para justificar a Marcha para Jesus não procedem. Nada tenho contra que cristãos organizem uma Marcha para Jesus. Apenas acho que não deveriam procurar justificar bíblica e teologicamente como se fosse um ato de obediência à Palavra de Deus. Nesse caso, estão condenando como desobedientes todos os cristãos do passado, que nunca marcharam, e os que, no presente, também não marcham.

POLITICAGEM NA MARCHA PARA JESUS

O dia feriado da última quinta-feira (Dia de Corpus Christi) foi uma oportunidade para que os cristãos rememorassem sobre o sangue e o corpo de Cristo, quando Ele mesmo, tomando a taça de vinho, disse: “tomai e bebei, isto é o meu sangue. Tomai e comei – disse repartindo o pão – este é o meu corpo). Jesus pediu a seus apóstolos que tomassem o vinho e comessem o pão que lhes ofereceu naquela última ceia, para que comessem pela última vez com Ele, já que sabia o que vinha logo a seguir.
Aqui no Brasil, entre inúmeras celebrações religiosas, realizadas por cristãos de todas as denominações, houve a Marcha para Jesus – que apenas em São Paulo reuniu mais de 04 milhões de participantes – evento que, a princípio, tem a intensão de conquistar o coração de pessoas mais jovens para as igrejas que organizam a marcha.
Mas, há muito tempo no Brasil, isso virou uma banca política incontrolável, onde políticos inescrupulosos (há exceções) se mesclam e se misturam no meio do povo para obter ganhos que lhes deem vantagens eleitorais posteriores, quase sempre enganando muitas pessoas. Talvez até pastores que se deixam levar por falsas promessas que na maioria das vezes nunca são cumpridas.
A quinta-feira 8/6 foi um dia que é sempre lembrado por fatos religiosos, mas que acabou sendo distorcido por muitos oportunistas, vigaristas e lacaios. Um deles, a figura do ex-presidente da República, que sempre ia para esses eventos religiosos, não para falar de Deus, não para falar de solidariedade, de sentimentos cristãos. Ia para pregar o ódio, dizendo que ele era o defensor da família, da Pátria etc., que o lado de lá (dizia referindo-se aos adversários políticos), que era a luta do bem contra o mal, se fazendo passar pelo BEM, claro, etc. Sempre levando mensagens negativas, mensagens que dividem a população ao invés de aproximá-la.
Na quinta-feira, houve uma situação muito curiosa, o “filhote” político do ex-presidente, o governador paulista, que foi para o encontro. Ao chegar lá, simplesmente omitiu o nome do ex-presidente, que foi esquecido totalmente por Tarcísio de Freitas. Tarcísio, aliás, procurou não fazer nenhum comentário político mais forte, preferiu citar alguns versículos bíblicos, muito embora seja um católico. Aí você vai analisando essas falas e não encontra nenhum momento onde esses políticos citam fatos que possam ser relevantes para a população. Esses encontros têm sempre se convertido em locais onde os espaços são de conversas (para os entendidos) incompreensíveis, são no sentido do “fiel para Deus ou de Deus para o fiel”. “Eu sou devoto de Deus”. E não se fala em irmandade, não se fala no próximo, não se fala de programas sociais, nem da realidade concreta do povo brasileiro. Não se fala de coisas como os problemas da educação, que afetam toda a sociedade, sejam católicos, protestantes, evangélicos… Não se fala dos problemas da saúde, da desigualdade social, racial, etc.
Fica uma coisa incompreensível. Você sai dali completamente alienado, mas sem nenhum assunto que lhe diga respeito diretamente. Você ouve os cantos, canta, grita, pula, e até emite vaias… Mas aprender alguma coisa que leve você a ser um cidadão mais consciente, isso não acontece. Por isso eu digo, um político poderia, nesses momentos, ainda mais sendo um político cristão, levar outras questões. Mas é sempre aquela condição já mensionada acima: “Deus e o fiel”. “O fiel e Deus”. O resto parece que o cristianismo acaba sumido no meio dessa história. Vejam, o ex-presidente chegou a fazer proselitismo armamentista durante essas marchas ainda quando estava no governo, incentivando a que os evangélicos (tão avessos a armas) passassem a querer adiquiri-las?
Pra terminar eu pergunto: É pra isso que essas marchas servem? Para eu rezar pela minha família, ou para eu mesmo? Por que não se aproveitam esses momentos para tentar melhorar o país? Para pedir a Deus que ilumine a cabeça dos homens, para que eles deixem as ideologias retrogradas que levam nada a lugar nenhum! Por que os pastores, com raríssimas exceções, levam políticos para as marchas, e pior, por que lhes entregam os microfones para que façam proselitismo deles próprios? Alguém sai lucrando no final das contas! Com certeza!
São muitas as perguntas, mas vou parando por aqui. Espero que pelo menos uma pessoa tenha entendido esse desabafo. Caso contrário, não haverá salvação. O que será deste nosso rico, mas tão pobre de espírito, Brasil?

Redação
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Portal do notícias Folha do Estado especializado em jornalismo investigativo e de denúncias, há 20 anos, ajudando a escrever a história dos catarinenses.
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