CPMI das Apostas mira prática de influenciadores que forjam lucros em cassinos online para enganar seguidores e induzir vício
José Santana faz uma análise sobre este assunto que tem se estendido Brasil afora levando muita gente para o buraco.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Apostas abriu uma nova frente de investigação: a prática de influenciadores digitais que usam versões demo manipuladas de jogos de azar para enganar seguidores e levá-los ao vício em apostas online.
Essas versões “demo” – que são apresentadas como simples demonstrações gratuitas – são programadas para exibir lucros irreais, ganhos sucessivos e facilidade nas vitórias. O intuito é criar uma ilusão de rentabilidade, seduzindo o usuário a migrar para o modo real, onde as chances são drasticamente desfavoráveis ao apostador.
Especialistas classificam a prática como propaganda enganosa e estelionato digital, e parlamentares da CPI não descartam o enquadramento por formação de quadrilha virtual, em casos de atuação coordenada entre plataformas e influenciadores.
O DEBOCHE DA IMPUNIDADE
Durante o depoimento à CPI, a influenciadora Virgínia Fonseca, com milhões de seguidores nas redes sociais, ironizou os questionamentos dos parlamentares sobre os danos causados pelas apostas. Questionada sobre a responsabilidade social ao promover cassinos virtuais, disparou: “Uai, se faz tão mal assim, por que não proíbem?”
A fala, carregada de sarcasmo, virou símbolo da certeza da impunidade e da desconexão entre os grandes promotores desse sistema e a realidade de milhares de famílias brasileiras. O tom de deboche indignou os parlamentares e escancarou a naturalização de uma indústria bilionária construída sobre o vício, o desespero e a falta de regulação.
Enquanto isso, o faturamento dessas plataformas e de seus divulgadores cresce de forma exponencial. Influenciadores ganham comissões milionárias por perdas de seus próprios seguidores, alimentando uma engrenagem perversa onde os desesperançados perdem tudo, enquanto os rostos famosos enriquecem.
NOMES SOB INVESTIGAÇÃO
A CPI aprovou a convocação de diversos influenciadores com milhões de seguidores – muitos com público jovem e infanto-juvenil – que supostamente utilizaram ‘demos manipuladas’ para simular ganhos e manipular a percepção do público. A promessa de “ficar rico com um clic” oculta um sistema que fomenta endividamento, transtornos mentais e crimes financeiros.
ENTRE OS NOMES APROVADOS ESTÃO:
- Gusttavo Lima
- Wesley Safadão
- Jojo Todynho
- Gkay
- Tirulipa
- Jon Vlogs
- Kaká Diniz
- Pâmela Drudi
- Deolane Bezerra
- Viih Tube
- Eliezer
- Rodrigo Mussi
- Felipe Prior
- Chefinho
- Adélia Soares
- Solange Bezerra
- Felipe Neto
- Mayk Santos
A comissão investiga também a existência de contratos publicitários com cláusulas que garantem comissões sobre as perdas dos apostadores – um esquema tão cruel quanto rentável.
O QUE ESTÁ EM JOGO
Apostas Online no Brasil – Vício, Lucro e Impunidade
- 25 milhões de brasileiros apostaram online em 2024 – na maioria jovens de 20 a 30 anos.
- R$ 240 bilhões foram movimentados em apostas; R$ 103 bilhões foram perdidos pelo varejo.
- R$ 3 bilhões do Bolsa Família foram usados em plataformas de apostas só em 2024.
- 63% dos apostadores usaram a renda principal e 49% usaram renda extra para apostar.
- 76% das plataformas atuam ilegalmente no Brasil.
- 65% da população é contra as apostas online; 71% querem proibir sua publicidade.
- A maioria dos apostadores sofre com ansiedade, dívidas e compulsão; 1 pessoa se suicida a cada 12 horas por causas ligadas ao vício.
- Lei 14.790/2023 regulamenta as apostas, mas a fiscalização ainda é falha.
Um ponto que exige estudo e regulamentação urgente é o uso da imagem de pessoas públicas – especialmente influenciadores com grande alcance entre jovens – para induzir o consumo de produtos ou serviços potencialmente nocivos à saúde física, emocional e financeira. A ausência de regras claras e sanções efetivas cria um vácuo legal perigoso, onde a influência digital se transforma em ferramenta de manipulação em massa.
Atualmente, figuras públicas têm promovido plataformas de apostas, jogos online, produtos de estética, medicamentos e até procedimentos invasivos sem qualquer responsabilidade objetiva quanto às consequências. No caso das apostas virtuais, a situação se agrava: esses influenciadores utilizam sua credibilidade e conexão emocional com os seguidores para induzi-los à entrada em sistemas de vício e endividamento.
Essa conduta ultrapassa os limites da propaganda enganosa – ela fere princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e o direito à proteção da saúde (art. 6º da CF), além de implicar em possíveis crimes como estelionato e associação criminosa.
É necessário discutir, no âmbito legislativo, a tipificação penal da manipulação digital via imagem pública, especialmente quando envolve crianças, adolescentes e pessoas em situação de vulnerabilidade. Assim como há leis que proíbem o uso da imagem de artistas em propagandas de cigarro ou bebidas alcoólicas para proteger a saúde pública, o mesmo rigor deve ser aplicado à publicidade de jogos e apostas.
A liberdade de expressão não pode servir de escudo para práticas que exploram a confiança da audiência e colocam em risco sua integridade. A regulação da influência digital é não apenas legítima – é uma medida civilizatória.
Mais do que o uso indevido da imagem para influenciar o público, o que se revela é um ecossistema de exploração emocional e financeira, onde vulnerabilidades são lucrativamente exploradas, e o sofrimento humano vira produto.
A fraude das demos é apenas mais uma engrenagem da máquina que transforma vício em capital, dor em lucro, e omissão em moeda de troca. A CPI quer jogar luz sobre essa realidade – mas o futuro dessa investigação dependerá da pressão social e da coragem institucional de enfrentar um setor que já provou ter poder, dinheiro e influência de sobra.
Análise:
Por José Avelino de Santana Neto:
Jornalista, especialista em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Administrativo.












