Caso Jordana e o tribunal penal das redes sociais: “Deu para todo mundo, agora quer zerar a quilometragem dentro de uma igreja”- influencer @felipechaves
A sexualidade humana é, talvez, um dos temas mais debatidos e mal compreendidos da história religiosa e moral da humanidade. Por séculos, o sexo foi associado ao pecado, especialmente fora da instituição do casamento. No entanto, essa associação raramente se baseia diretamente nas palavras de Jesus Cristo, mas sim em interpretações, normas religiosas e tradições culturais que se impuseram ao longo do tempo.
Na sociedade contemporânea, o julgamento moral encontrou novo palco: as redes sociais. E foi nesse ambiente que ocorreu o caso da influenciadora Jordana Vucetic, recentemente convertida ao cristianismo, que se tornou alvo de comentários cruéis. A frase que viralizou – “deu para todo mundo, agora quer zerar a quilometragem dentro de uma igreja” – revela uma prática tão antiga quanto desumana: o apedrejamento simbólico de quem ousa recomeçar.
Este artigo propõe uma análise crítica e espiritual sobre o que Jesus realmente ensinou sobre sexo, arrependimento e transformação. A reflexão se apoia nos Evangelhos, na história da mulher samaritana e em contribuições de obras filosófico-religiosas como o Livro de Urântia. O ponto de partida: o julgamento público das mulheres — ontem nas praças, hoje nos perfis.
SEXO É PECADO?
A partir da leitura dos Evangelhos, fica claro que Jesus não considerava o sexo, por si só, um pecado. O problema está no uso distorcido da sexualidade – como ferramenta de dominação, traição ou desumanização. Em Mateus 5:28, Ele afirma: “Aquele que olhar para uma mulher com intenção impura, já cometeu adultério com ela no coração”.
A advertência de Jesus é contra a objetificação do outro e a luxúria descontrolada. Não é uma condenação ao desejo sexual, mas um chamado à pureza de intenção e ao respeito mútuo. O prazer sexual, quando vivenciado com responsabilidade, respeito e verdade, não é incompatível com a fé cristã – e certamente não foi tratado por Jesus como pecado em si.
O que Ele combateu, com veemência, foi a hipocrisia dos que julgam os outros com base em aparências, enquanto escondem seus próprios erros sob o manto da religiosidade.
JORDANA E O MORALISMO DIGITAL
A conversão pública de Jordana Vucetic reacendeu o debate sobre como a sociedade – e, em especial, os religiosos – tratam aqueles que desejam recomeçar. Jordana, antes associada a uma imagem sexualizada, passou a declarar sua fé e compromisso com uma nova vida. O que recebeu? Deboche, julgamento e ataques.
Frases como “zerar a quilometragem” revelam uma cultura misógina, que trata o corpo feminino como mercadoria, cujo valor é medido pela suposta “pureza” sexual. A crítica não recai sobre o homem com histórico semelhante – apenas sobre a mulher.
É importante lembrar que Jesus não pediu antecedentes a ninguém para oferecer o perdão. Quando diante da mulher adúltera prestes a ser apedrejada, Ele não quis saber detalhes de sua vida íntima. Disse apenas: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”. “Nem eu te condeno. Vá e não peques mais.” (João 8:7 e 11)
A mesma lógica se aplica ao caso Jordana: se ela escolheu mudar, não é papel da multidão digital julgar, mas refletir. O Evangelho oferece recomeço – não condenação contínua.
A MULHER DO POÇO: CINCO MARIDOS, NENHUM JULGAMENTO
O episódio da mulher samaritana (João 4) é talvez um dos exemplos mais potentes sobre o tema. Jesus encontra uma mulher junto ao poço e revela saber de sua vida íntima: ela já teve cinco maridos e vivia com um homem que não era seu esposo.
“Tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido.” (João 4:18)
Jesus não a acusa, não a ridiculariza, nem exige que ela “prove” arrependimento. Pelo contrário: Ele se revela a ela como o Messias – antes mesmo de fazê-lo aos seus próprios discípulos. Essa mulher, considerada impura socialmente, torna-se evangelista, anunciando a chegada do Cristo à sua cidade.
Não há registro de reprovação, mas de acolhimento. O foco de Jesus nunca foi o número de parceiros que alguém teve, mas a disposição em viver com verdade a partir daquele encontro.
O QUE DIZ O LIVRO DE URÂNTIA
O Livro de Urântia, obra espiritual que busca unir ciência, filosofia e religião, trata a sexualidade como um elemento natural da experiência humana. Não há condenação ao sexo, mas advertência contra o seu uso irresponsável, manipulador ou desvinculado do amor verdadeiro. “O mau uso do sexo é uma das maiores causas da instabilidade emocional e dos fracassos conjugais”. (Livro de Urântia)
O sexo, segundo Urântia, é legítimo quando guiado por respeito, responsabilidade e espiritualidade. A repressão extrema é tão danosa quanto a permissividade inconsequente. Em ambos os casos, perde-se a essência do que o amor representa.
CONCLUSÃO: NINGUÉM ZERA A VIDA, MAS TODOS PODEM REINICIAR A ALMA
A condenação social contra pessoas com passado marcado por escolhas sexuais múltiplas não é apenas injusta – é anticristã. O Evangelho de Cristo não exige um histórico limpo, mas um coração honesto. A fé cristã não deveria ser uma cerca para afastar os impuros, mas uma ponte para acolher quem deseja começar de novo.
O caso Jordana é apenas um entre milhares. Mulheres – e também homens – com passados complexos enfrentam a resistência daqueles que não compreendem que o perdão é um ato divino, não uma concessão humana.
A verdadeira fé não se sustenta em rótulos, mas em recomeços. E quem acredita no Cristo vivo precisa reconhecer que ninguém zera a vida – mas todos podem reiniciar a alma.
NOTA DA REDAÇÃO:
Este artigo integra a editoria de opinião do Folha do Estado SC. Os textos assinados refletem a visão de seus autores e não representam, necessariamente, a posição institucional do jornal. O conteúdo baseia-se em fatos, análise interpretativa e posicionamento argumentativo com liberdade de expressão e responsabilidade ética. A influenciadora Jordana Vucetic, citada neste artigo, dispõe de espaço aberto para eventual manifestação ou contraponto.

POR JOSÉ SANTANA:
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