Parece que o presidente norte-americano quer mesmo manter tudo sob controle
Na foto: Kate Middleton, Trump e Charles em banquete de estado no Castelo de Windsor. Imagem: REUTERS/Phil Noble/Pool
Fazer piadas sobre o presidente ainda é permitido nos EUA? Nesta semana, a decisão do governo de Donald Trump de sair ao ataque contra comediantes e apresentadores de talk-shows não revela apenas o caráter autoritário de seu governo. Ela escancara o perfil de um presidente que, em câmara lenta, instaura um regime de exceção no país.
O ator e humorista Jimmy Kimmel, por ter feito um comentário sobre Charlie Kirk, teve seu programa suspenso por sua emissora, na esperança de não ver os canhões da Casa Branca abrirem fogo. Mas o mal-estar vai muito além do episódio com Kirk. Ao longo de sua vida, perder jamais foi uma opção para Trump. Para obter o que queria, sempre mentiu, fraudou, cometeu crimes e assediou.
Rir dele, porém, é tratado como algo insuportável. Trump parece entender como pouco o que diz Mel Brooks: “a comédia pode reduzir homens como este a seu tamanho, roubando-lhes o poder e os mitos”. Pelo mundo, programas satíricos sabem o quanto são odiados por seus respectivos tiranos. A história é repleta de exemplo.
O egípcio Bassem Youssef, por exemplo, foi intimado a comparecer ao tribunal em 2013 para responder às acusações de insultar o então presidente Mohamed Morsi em seu programa de comédia. Youssef foi obrigado a cancelar seu programa sob imensa pressão governamental após a ascensão do general Abdel Fattah el-Sisi ao poder em 2014. Naquele ano, Youssef foi condenado a pagar US$ 10 milhões pelo conteúdo de seu programa. Na Tailândia, em 2013, um comediante foi condenado a dois anos de prisão sob as leis de lesa-majestade do país, que tornam ilegal insultar a dignidade do líder.
No caso dos EUA, a nova pressão sobre humoristas não ocorre de forma isolada. Nada mais mentiroso que aquela declaração do discurso de posse de Trump que, com a pompa e a cafonice da extrema direita, anunciava que defender a liberdade de expressão seria sua prioridade.
Nas últimas semanas, ele passou a abrir processos judiciais contra jornais e redes de televisão, acusando a imprensa de difamação e pedindo indenizações milionárias. No Pentágono, jornalistas terão de submeter suas matérias antes que sejam publicadas, sob o risco de serem punidos.
Na Casa Branca, fazer uma pergunta que não esteja dentro do script ameaça ser respondida com uma ofensa pessoal e, muitas vezes, machista. Além da pressão sobre emissoras, Trump vem sugerindo que algumas delas poderiam perder sua licença para operar.
No caso do humor, o desafio para Trump pode ser especialmente complicado. Não me sai da cabeça a cena no final dos anos 90, quando jovens sérvios organizaram algo inesperado. Naquele momento, todos temiam criticar o líder Slobodan Milosevic. A solução de um grupo irreverente foi colocar no meio de uma praça um barril de petróleo vazio e com uma foto do presidente. Ao lado, deixaram um taco de beisebol e desapareceram. Em pouco tempo, dezenas de pessoas se aglomeraram, esperando uma chance de bater em “Milosevic”. Cerca de 30 minutos depois, a polícia chegou. Perdida diante da brincadeira, ela não teve dúvidas: apreendeu o barril. E a piada se eternizou e, em 2001 quando eu estive na região, o ato de humor era contado às gargalhadas.
A democracia americana vive uma encruzilhada: enquanto um governo atua deliberadamente para instaurar a censura, emissoras, entidades e universidades ensaiam gestos para ceder e, assim, salvar seus negócios.
Mas, como diria Winston Churchill, “um apaziguador é aquele que alimenta um crocodilo, esperando que ele o coma por último”.
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Texto: Jamil Chade – Uol Genebra