“A busca pela verdade e a valorização da sinceridade em palavras e ações são virtudes indispensáveis para a vivência maçônica”
Um caso inusitado e delicado movimenta bastidores da advocacia catarinense e traz à tona uma questão sensível: o possível conflito entre os princípios maçônicos e a ética institucional.
Uma denúncia protocolada simultaneamente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Comissão de Ética e no Ministério Público Estadual (MP-SC) em Itapema/SC, envolvendo um influente advogado, que supostamente ocuparia o cargo de Grão-Mestre de uma das grandes potências maçônicas do Brasil. O conteúdo da denúncia aponta para supostos atos de improbidade e ilegalidade praticados no exercício de função pública.
O ponto mais crítico do caso, no entanto, não está apenas nas acusações em si, mas na possível composição das comissões julgadoras: Há fortes indícios de que os membros responsáveis por analisar a conduta do denunciado, poderiam ser maçons ativos – e, em alguns casos, eventualmente subordinados ou vinculados ao mesmo corpo maçônico de onde atuam.
Princípios maçônicos: Um código de honra ou um pacto de silêncio?
A Maçonaria é historicamente conhecida por seus rígidos princípios de honradez, integridade, justiça, e respeito às leis civis, como deixam claro seus estatutos, especialmente os do Grande Oriente do Brasil (GOB). O Art. 6º do Estatuto do GOB, por exemplo, afirma que “a Maçonaria deve promover a justiça e combater os vícios e a ignorância, além de prezar pela verdade e pelo aperfeiçoamento moral”. Mais ainda: o Art. 9º, § 1º, estabelece de forma taxativa que “é vedado aos maçons desrespeitar as leis e instituições republicanas.
Dessa forma, à luz dos próprios princípios que norteiam a fraternidade, seria esperado que qualquer infração cometida por um irmão de Loja fosse tratada com maior rigor ético, e não com complacência ou proteção velada.
E se quem julga também veste o avental?
A presença de maçons entre os julgadores levanta uma delicada pergunta: a lealdade maçônica pode interferir no julgamento isento de denúncias envolvendo irmãos de Ordem? Fontes ouvidas por este articulista, sob anonimato, relatam que “o juramento maçônico envolve apoio mútuo e proteção entre irmãos”, mas ressaltam que “isso não pode, sob nenhuma hipótese, ser usado como escudo para impunidade”.
A resposta institucional, no entanto, precisa ir além da retórica. Segundo o jurista e professor de Ética Pública, Rafael Santoro, “se os membros das comissões forem maçons, devem se declarar impedidos, conforme o princípio da imparcialidade e da moralidade administrativa, previsto no art. 37 da Constituição Federal”.
Além disso, o Código de Ética da OAB estabelece que “o advogado deve abster-se de atuar em processos em que tenha interesse pessoal ou envolvimento afetivo, político, religioso ou de qualquer ordem que comprometa sua isenção”. O mesmo raciocínio se aplica ao Ministério Público, cuja atuação exige absoluta isenção, especialmente em casos de potencial repercussão pública.
Mas, nós divergimos desses entendimentos baseados justamente nos Preceitos de Moralidade da Maçonaria, que nos assegura (pelo menos em tese), que mesmo sendo um membro maçom a julgar, se ele seguir os Preceitos, o julgamento será isento. Lógico que caso não seja, a própria Maçonaria possui mecanismos internos para punição do membro.
A moralidade na Maçonaria é um dos pilares centrais da instituição e aparece de forma explícita em seus estatutos e regulamentos:
Preceitos de Moralidade da Maçonaria
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Honradez e Integridade
O maçom deve pautar sua conduta pela retidão de caráter, sendo honesto consigo mesmo e com a sociedade.
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Justiça e Equidade
O maçom deve agir com justiça, respeitando os direitos dos outros e combatendo qualquer forma de injustiça.
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Fraternidade e Tolerância
A moral maçônica prega a fraternidade universal entre os homens, independentemente de raça, credo ou nacionalidade, exigindo tolerância às opiniões e crenças alheias.
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Caridade e Filantropia
Um princípio fundamental da moral maçônica é a prática constante da caridade, tanto material quanto espiritual, com especial atenção aos necessitados.
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Trabalho e Aperfeiçoamento Pessoal
A ética maçônica valoriza o trabalho honesto e o autodesenvolvimento constante, buscando o “aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual do ser humano”.
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Verdade e Sinceridade
A busca pela verdade e a valorização da sinceridade em palavras e ações são virtudes indispensáveis para a vivência maçônica.
Fonte: Estatutos Maçônicos mais difundidos no Brasil
Portanto, a se basear nesses princípios, o maçom, mesmo tendo que julgar um membro até mesmo eventualmente da mesma loja em que ele faz parte, tem o dever de seguir os preceitos e ser plenamente imparcial.
Mas, claro que se o membro entender que ele não está preparado para julgar com imparcialidade, então nesse caso sim, deverá abster-se de participar do julgamento.
Nessa linha de raciocínio, no meu entendimento, deve-se primeiramente permitir ao membro julgador a oportunidade de seguir os Preceitos de Moralidade da Maçonaria, e não colocá-lo automaticamente como impedido.
Imparcialidade é dever, não escolha
A situação expõe um dilema ético profundo: a Maçonaria, ao mesmo tempo em que prega a legalidade e a moralidade, exige de seus membros discrição e fidelidade fraterna. Mas quando essa fidelidade entra em choque com o dever legal e institucional, o que deve prevalecer?
“… que seus fins supremos são Liberdade, Igualdade e Fraternidade, promovendo o aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade, por meio do cumprimento inflexível do dever, da prática desinteressada da beneficência e da investigação constante da verdade.”-grifei- (Constituição do GOB — Preceitos de Moralidade e Legalidade)
Para a sociedade, a resposta é clara: a justiça deve ser feita de forma transparente, isenta e sem privilégios. Nesse sentido, se há indícios de que a presença de maçons nos órgãos julgadores possa comprometer a lisura do processo (para nós, somente nestes casos), a única saída ética é o afastamento dos mesmos ou a redistribuição das denúncias a outros núcleos isentos.
Da retórica à prática: conclusão
O caso do Grão-Mestre advogado – no caso em questão – coloca à prova não apenas as instituições públicas envolvidas, mas também a própria Maçonaria: Se a Ordem deseja manter sua respeitabilidade histórica e sua autoridade moral, precisará demonstrar que os preceitos de honradez, legalidade e combate à corrupção não são apenas palavras em papel timbrado, mas compromissos reais, mesmo quando confrontam seus próprios líderes. Se a Maçonaria tem por lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que essa fraternidade jamais seja confundida com impunidade entre iguais.
A importância da Maçonaria no Brasil desde a Independência (breve contexto histórico)
A Maçonaria teve papel relevante na história do Brasil, especialmente no século XIX, quando esteve ligada a episódios decisivos para a formação do Estado brasileiro. Sua atuação política e intelectual foi marcante desde o processo de Independência, passando pelo período imperial e chegando à Proclamação da República.
Durante o movimento de Independência, a Maçonaria funcionou como espaço de articulação política entre setores da elite brasileira que desejava romper com o domínio português. A partir de 1821, diversas lojas maçônicas se multiplicaram no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, Salvador e Pernambuco. Muitas delas atuavam como centros de debate sobre liberdade, soberania nacional e formas de governo.
Dom Pedro I chegou a ser iniciado na Maçonaria e, em 1822, tornou-se Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. A influência maçônica esteve presente na articulação política que resultou no Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822. Figuras centrais do processo de independência, como José Bonifácio de Andrada e Silva, Gonçalves Ledo e Joaquim Gonçalves de Magalhães, eram maçons.
No Império, a Maçonaria continuou influente, embora tenha enfrentado períodos de tensão com a Igreja Católica e o próprio poder imperial, principalmente durante a chamada Questão Religiosa. Já na Proclamação da República, em 1889, novamente a Maçonaria exerceu papel de destaque: muitos dos militares republicanos, como Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant, eram maçons.
Assim, ao longo da história do Brasil, a Maçonaria foi mais do que uma sociedade discreta: foi uma força política, ideológica e moral, cujos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade moldaram, em parte, os rumos da nação.
Logo, podemos notar que, a participação da Maçonaria foi imprescindível para o Grito do Ipiranga e para nortear os princípios basilares da Nação Brasileira.
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Por Elias Tenório: Especial para Folha do Estado











