INSS paga seguro bilionário em cidades com pescadores-fantasmas
Um caso recente vindo do Pará tem chocado o Brasil e expõe, mais uma vez, a fragilidade dos mecanismos de controle de políticas públicas no país. Trata-se de uma cidade onde, apesar da escassez real de recursos hídricos pesqueiros, mais da metade da população adulta está registrada como pescadora artesanal e, consequentemente, recebe o seguro-defeso – um benefício pago pelo governo federal durante o período em que a pesca é proibida para preservação das espécies.
A cidade em questão é Curralinho, no arquipélago do Marajó, mas há relatos semelhantes em outros municípios da região. Segundo investigações e auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério da Pesca, a quantidade de registros de pescadores é completamente desproporcional à realidade local. Para se ter uma ideia, em certos municípios, há mais “pescadores” do que peixes.
No município de Mocajuba (PA), 14,7 mil pescadores receberam o seguro-defeso do INSS em 2024. A cidade, localizada às margens do rio Tocantins e a quatro horas de carro de Belém, tem a maior proporção de pescadores por habitante do Brasil. Mas o problema é que, segundo dados do IBGE, não é possível haver tantos pescadores artesanais na cidade. Há 15,3 mil adultos no município, dos quais 6.300 trabalham em fazendas, 1.800 estão empregados pela prefeitura e 716 atuam no SUS ou como professores.
Além de Mocajuba, outras cidades apresentam números incompatíveis de registro de pescadores, como São Sebastião da Boa Vista (PA), Boa Vista do Gurupi (MA), Ponta de Pedras (PA), Cedral (MA), Nova Olinda do Maranhão (MA) e São João Batista (MA). Em 34 municípios, os supostos pescadores superam 30% da população adulta, conforme dados do Ministério da Pesca e do IBGE.
O número de pescadores registrados no país saltou de 1 milhão em 2022 para 1,7 milhão em maio de 2025 – sendo 500 mil novos cadastros desde meados de 2024. O registro é obrigatório para acessar o benefício, pago quando a pesca é proibida por razões ambientais. Em 2024, o governo gastou R$ 5,9 bilhões com o seguro.
Uma investigação mostra que os números do Ministério da Pesca e da Previdência não batem com a realidade dos municípios, e que intermediários entre o governo federal e os supostos pescadores estão se beneficiando desse aumento. As federações que intermediam os registros junto ao INSS recebem contribuições das colônias de pescadores e, segundo investigações no Pará, chegam a reter até 50% do seguro pago irregularmente.
O Ministério da Pesca afirma que está implementando mecanismos de controle, como a exigência de biometria e o cruzamento de dados com outras bases do governo. Mas é pouco, precisa ser mais incisivo para alcanças os corruptos.
O seguro-defeso foi criado para garantir a sobrevivência de pescadores artesanais durante o período em que a pesca é suspensa para a reprodução dos peixes. O problema é que o programa, sem fiscalização efetiva, virou alvo fácil para fraudes sistemáticas, clientelismo político e enriquecimento ilícito. Muitos se registram como pescadores, mesmo nunca tendo exercido essa atividade, apenas para garantir o benefício mensal, que gira em torno de um salário mínimo por pessoa.
Essas fraudes representam não só um desvio de dinheiro público, mas também um desrespeito à função original da política ambiental e social. Enquanto pessoas que realmente vivem da pesca enfrentam dificuldades para manter o sustento, outros burlam o sistema com apoio, em alguns casos, de políticos locais e sindicatos coniventes.
O episódio aponta a necessidade urgente de revisar cadastros, cruzar dados com outros sistemas públicos (como INSS, Bolsa Família, CadÚnico) e de modernizar a fiscalização, inclusive com uso de tecnologias como georreferenciamento e monitoramento via satélite das regiões de pesca.
O Brasil precisa de políticas sociais, mas precisa, acima de tudo, que elas sejam sérias, sustentáveis e voltadas de fato a quem precisa, e não à corrupção disfarçada de assistência.
Concluindo: ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Esse lema da década de 1960 está mais vivo hoje que esteve naquela época. Hoje poderíamos dizer: ou o Brasil acaba com a corrupção sistêmica nos mais diversos setores, ou essa corrupção sistêmica acaba com o Brasil.
HISTÓRICO: A campanha “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil” foi lançada em 1967 pelo governo federal brasileiro, com o objetivo de combater as formigas saúva, consideradas uma praga na agricultura. A campanha foi uma iniciativa do então Ministério da Agricultura, Ivo Arzua Pereira e visava controlar a infestação de saúvas, que causavam grandes prejuízos às lavouras
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Por L. Pimentel











