Especial para o Folha do Estado SC
Artigo/🎙️ Série Editorial Entre Vozes e Muros – Episódio VI: Nos episódios anteriores desta série editorial, refletimos sobre temas estruturais da democracia ameaçada: o fanatismo que sufoca o diálogo (Episódio I), a empatia como ferramenta política (Episódio II), o extremismo que corrói instituições (Episódio III), o abuso da liberdade de expressão por meio das fake news (Episódio IV) e o medo como instrumento de controle social (Episódio V).
Neste sexto episódio, voltamos o olhar para um direito frequentemente negligenciado e atacado sob falsos discursos de economia: a comunicação pública.
Quando informar se torna um ato de resistência
Comunicar, no setor público, não é fazer propaganda — é garantir o direito à informação de interesse coletivo. Comunicar é educar, alertar, prevenir, formar consciência cidadã. É dever legal, previsto na Constituição e reforçado pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Ainda assim, cresce o número de gestores públicos e representantes eleitos que tratam a comunicação institucional como “gasto supérfluo”.
Temos visto exemplos concretos e recentes.
No município de Itapema, vereadores passaram a questionar publicamente contratos com agências de comunicação e a produção de conteúdo jornalístico informativo. Há quem proponha a supressão completa dos investimentos em comunicação institucional, sem compreender — ou ignorando intencionalmente — os impactos que isso causa na qualidade da informação prestada à população.
Em Itajaí, uma das cidades com maior orçamento público de Santa Catarina, nenhuma licitação específica foi aberta para campanhas de interesse público em 2024, mesmo com temas urgentes como saúde mental, enfrentamento à violência, trânsito e preservação ambiental exigindo atuação constante.
O mesmo se repete, em diferentes escalas, em Tijucas, Bombinhas, Porto Belo, Penha e Balneário Camboriú — onde a comunicação institucional é tratada como custo, e não como instrumento de cidadania.
O preço do silêncio institucional
O resultado desse movimento de desinformação institucional é claro: a população fica no escuro. Sem campanhas educativas, sem prestação de contas, sem esclarecimentos sobre políticas públicas, o que sobra são as redes sociais tomadas por fake news, achismos e desinformação — inclusive sobre serviços essenciais.
A crítica à comunicação pública muitas vezes parte de discursos populistas ou autoritários, que querem reduzir o Estado à força bruta ou à propaganda pessoal. Trata-se de uma retórica que vê a imprensa e os comunicadores como inimigos — quando, na verdade, são ferramentas fundamentais para a democracia e a transparência.
Cortar comunicação é calar o povo
A comunicação pública de qualidade deve ser feita por profissionais preparados, com critérios técnicos e editoriais. Não se trata de enaltecer prefeitos, vereadores ou secretários — mas de informar corretamente sobre decisões que afetam vidas, recursos e direitos. Censurar ou reduzir esse trabalho é calar a população e prejudicar o controle social.
Manter equipes qualificadas — jornalistas, redatores, designers e produtores de conteúdo informativo — é garantir que as pessoas saibam como acessar seus direitos, como cobrar serviços públicos, como compreender as políticas que estão sendo executadas com o seu dinheiro.
Entre o apagão informativo e o populismo
A omissão ou o boicote à comunicação pública abre espaço para o populismo digital, onde a desinformação se torna estratégia eleitoral. Quando não há canais oficiais sólidos e profissionais, multiplicam-se os perfis “paralelos” que manipulam a opinião pública e substituem a verdade pelos interesses de grupos.
A responsabilidade institucional de comunicar com clareza, ética e isenção deve ser defendida como um pilar democrático. Não se trata de custo — é investimento em cidadania, inclusão e transparência.
📌 O dever do Ministério Público: entre a omissão e a garantia do direito
Cabe ao Ministério Público de Santa Catarina, como fiscal da lei e defensor dos interesses sociais, cumprir sua função constitucional de zelar pela legalidade e pela efetividade dos direitos fundamentais da população. Entre esses direitos está o acesso à informação de interesse público, garantido pela Constituição Federal e pela Lei nº 12.527/2011.
Quando gestores públicos omitem, boicotam ou negligenciam a comunicação institucional — seja por ação, seja por omissão —, não apenas violam a transparência, mas também podem incorrer em crime de responsabilidade, ao atentar contra o direito coletivo de saber e participar.
Ao MP-SC cabe agir com firmeza, não apenas em defesa do erário, mas também em defesa da cidadania e contra o apagão informativo institucional, que afeta diretamente a vida e os direitos das pessoas.
“Penso que a instituição não pode seguir assistindo aos efeitos retóricos e práticos do desmonte institucionalizado contra o papel legal de informar dos órgãos da administração pública.”
A comunicação pública não é um privilégio de quem governa. É direito de quem é governado. Suprimir esse direito é fragilizar a democracia, prescindir da transparência e condenar a população à ignorância programada.
Em tempos de discursos extremistas, ataques à imprensa e guerras de versões, manter viva a comunicação institucional séria, ética e plural é um ato de resistência — e de compromisso com o futuro democrático do Brasil.
José Santana é jornalista, editor do portal Folha do Estado SC, especialista em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Administrativo.
Sobre o autor

José Santana é jornalista profissional, especialista em Gestão Pública e pós-graduando em Direito Constitucional e Administrativo pela Universidade Uninter. Com mais de duas décadas de atuação na imprensa e no ativismo cívico, é fundador e editor do portal Folha do Estado SC, referência nacional em jornalismo investigativo e análise institucional, com forte presença nas regiões da Costa Esmeralda, Vale do Itajaí e Grande Florianópolis.
Iniciou sua trajetória em veículos como o Informativo Popular e o Circulou (1997–1999), em Ivaiporã–PR. Fundou e editou a Folha Evangélica (2000–2014), atuou no jornal Diário Atlântico (2015) e na Rádio Amizade FM, de Porto Belo (2016–2022). Em 2001, criou a ONG Olho Vivo, que presidiu até 2022, tornando-se uma das principais referências em controle social e combate à corrupção em Santa Catarina.
Em 2025, lançou a primeira plataforma de podcasts do Brasil com foco em jornalismo investigativo e institucional, ampliando o alcance de conteúdos voltados à cidadania, à política e à prestação de contas.
Coordenou coberturas históricas de reformas legislativas, escândalos de corrupção e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), incluindo a primeira CPI do Brasil a investigar o Ministério Público, instaurada em Santa Catarina em 2014. Atuou diretamente na articulação para o arquivamento de um projeto de lei na Assembleia Legislativa que visava permitir a comercialização de bebidas alcoólicas e cigarros por Associações de Pais e Professores (APPs), reunindo apoio de dezenas de entidades. Após o arquivamento, o deputado Jair Miotto encaminhou ofício reconhecendo o papel desempenhado pelo jornalismo investigativo do Folha do Estado SC.
É autor da série editorial Entre Vozes e Muros, que debate os desafios contemporâneos da democracia — como fanatismo, empatia política, fake news, medo institucional e o direito à comunicação pública.
Reconhecido pelo compromisso com a transparência, o pluralismo e o jornalismo de interesse público, também coordena projetos de inovação digital, redes de podcast e conteúdos multimídia voltados à educação política, à responsabilidade pública e ao fortalecimento da cidadania.
Atualmente, prepara o lançamento da obra “Códigos Invisíveis – O Que Não Te Contam Sobre a Administração”, que revela o que move — e o que trava — os bastidores do poder público no Brasil. A proposta é reposicionar o cidadão no centro da linha sucessória dos direitos fundamentais e humanos, provocando uma nova consciência entre gestores públicos.
📚 Leia também os episódios anteriores da série Entre Vozes e Muros:
➡️ Episódio I – O Fanatismo e a Morte do Diálogo
🔗 folhaestado.com/o-fanatismo-e-a-mente-de-pedra-serie-entre-vozes-e-muros-episodio-i
➡️ Episódio II – A Empatia como Ferramenta Política
🔗 folhaestado.com/serie-editorial-entre-vozes-e-muros-episodio-ii
➡️ Episódio III – Quando a Democracia Fica Frágil
🔗 folhaestado.com/serie-editorial-entre-vozes-e-muros-episodio-iii
➡️ Episódio IV – Liberdade de Expressão: Entre o Direito e o Abuso
🔗 folhaestado.com/serie-editorial-entre-vozes-e-muros-episodio-iv
➡️ Episódio V – O Medo como Arma Política
🔗 folhaestado.com/editorial-serie-entre-vozes-e-muros-episodio-v-o-medo-como-arma-politica











