Pops conferiu o relógio. Ainda era cedo. O trem só partiria dali a algumas horas, mas ele já estava lá, como sempre. Era do tipo que chegava antes, mas nunca parecia ter pressa.
Sentou-se em um banco de madeira escura e acendeu um cigarro. A fumaça subiu lenta, desenhando espirais no ar frio da manhã antes de desaparecer. Ele observou os trilhos à sua frente, longos e retos, como se já soubesse que aquele caminho, de algum jeito, estava traçado muito antes dele pisar ali.
Tinha dinheiro, tinha história. O pai, um coronel que construiu tudo com trabalho e bondade. A mãe, portuguesa, vinda de um mar distante, sempre dizia que o importante era construir algo sólido, algo que ficasse. Pops construiu. Levantou um império. Mas nunca soube exatamente o que fazer com ele.
A verdade é que nunca aprendeu a viver. Talvez ninguém aprenda. No fim, só se tenta. E ele tentava. Tentava encontrar sentido nos cigarros, nas bebidas, nas mulheres que riam fácil, nos amigos que pareciam mais sombras do que companheiros. Tentava celebrar, mas sem saber ao certo o quê.
Era um homem de poucas palavras. Mais fácil assim. Quando você não fala muito, as pessoas perguntam menos. E no silêncio, ele se mantinha inteiro. Como um leão à espreita, quieto, perigoso, sem que ninguém percebesse. Mas gostava de ser chamado de Pops. Talvez porque seu nome verdadeiro carregasse peso demais.
O apito do trem cortou o ar parado da estação. Ele se levantou devagar, ajeitou o casaco, deu uma última olhada ao redor, como se esperasse ver um rosto conhecido. Mas ninguém veio.
Talvez aquela viagem fosse um jeito de voltar. Ou só uma desculpa para partir. Talvez fosse só um trem, nada além disso.
Fez um pequeno aceno para alguém que talvez nem estivesse ali. Depois, sem cerimônia, subiu.
Ninguém soube para onde ele foi.
Só que nunca mais voltou.
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Dr. Virgílio Galvão
De Brasília – DF