Conto: Uma observação sobre as crianças para um dia muito especial especial

A criança continua habitando em nós, mesmo depois de adultos

Nem os aviões e nem as formigas foram os mesmos depois que o Ben chegou. Quando ele ainda era bem pequenino, corria para a janela ao escutar uma aeronave se aproximar, muito antes que a gente pudesse avistá-la cortando as nuvens. Eu até duvidava. Será que tem mesmo um avião vindo? Depois de alguns segundos, batata. E então observávamos as janelinhas miúdas a voar pelo céu. As formigas também mereciam muito da sua atenção. Um dia, enquanto voltava apressada para a casa depois de buscá-lo na escola, cruzamos com uma fileira de operárias carregando suas folhinhas. Ele se agachou e ali ficou, criando hipóteses sobre a vida daquelas trabalhadoras. Meu primeiro impulso foi pensar “Vamos, filho! Eu é que ainda tenho muito trabalho pela frente!”. Mas então contive meu adulto tarefeiro e chamei a minha criança para se demorar ali, como se tivesse vendo uma cena daquelas pela primeira vez – e não deixava de ser.

“Nós olhamos para o mundo uma vez, quando crianças. O resto é memória”, escreveu a poetisa estadunidense Louise Glock (1943-2023) no poema Nostos, publicado em seu livro Meadowlands

A escritora, Nobel de Literatura, sugeria que as experiências infantis são a fundação sobre a qual construímos nossa visão de mundo, responsáveis por compor as memórias que nos guiam pelo resto da vida. A escritora brasileira Lya Luft (1938-2021) também tem uma frase que eu aprecio muito: “A infância é o chão que a gente pisa a vida inteira”. E anfitriar uma criança aqui na Terra despertou memórias minhas de menina que eu sequer recordava. E não só memórias: mas um novo jeito de olhar para o mundo, como se a infância do meu filho também me permitisse experimentar, mais uma vez, o olhar de novidade diante da vida. Afinal, meu quintal é maior do que o mundo, como diz a obra do nosso poeta das insignificâncias, Manoel de Barros, que traduziu o olhar da singeleza e da humildade diante da vida como ninguém. Ou, melhor, como criança.

Esses dias, Ben escutava a canção “Toda criança quer crescer”, de Palavra Cantada. Ele me disse “Eu não concordo. Eu quero continuar criança, para poder brincar”.  “Filho, a sua criança sempre vai te habitar. Você sempre vai poder sentar no chão e voltar a brincar, não importa a idade”, respondi. Ele sorriu.

Hoje, dia em que celebramos as infâncias, me convido e convido você ao reencontro com o olhar de estreia. Com o pensar curioso. Com a atenção ao que ninguém mais vê. Com as perguntas que não deixam as bochechas vermelhas. O encantamento pelo mundo sempre cheio de novidades. Hoje, celebro o meu menino, porque nem os aviões, nem as formigas e nem tudo o que eu já conhecia foram os mesmos depois que o Ben chegou.

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Ainda é tempo de dizer: Feliz dia das crianças!

Débora Zanelato (@deborazanelato)

 

Redação
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Portal do notícias Folha do Estado especializado em jornalismo investigativo e de denúncias, há 20 anos, ajudando a escrever a história dos catarinenses.
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