O VÁCUO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA E O AVANÇO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Por José Santana
Deputados, senadores e governos mantêm paralisado o dispositivo que estruturaria a segurança pública nacional. Quase quatro décadas depois, o país ainda combate o crime sem uma lei complementar e com Estados desarticulados.
O Brasil chega a 37 anos da promulgação da Constituição Federal ainda sem uma lei complementar que regulamente o artigo 144, que define a estrutura da segurança pública. Essa omissão histórica do Congresso Nacional e a passividade de sucessivos governos, federais e estaduais, criaram um Estado desarticulado e vulnerável, incapaz de enfrentar com eficiência o crime organizado, o tráfico de drogas e a corrupção sistêmica.
Enquanto deputados e senadores permanecem sentados sobre o texto constitucional, o país mergulha em um ciclo de violência que compromete a soberania e expõe milhões de brasileiros à insegurança cotidiana.
Uma Constituição ignorada há quase quatro décadas
O artigo 144 é claro ao definir a segurança pública como dever do Estado e direito de todos, delegando à legislação infraconstitucional o papel de organizar e integrar as forças policiais do país.
Mas, quase quatro décadas depois, essa lei nunca foi aprovada.
Dispositivos como o §7º, que cria a Polícia Ferroviária Federal, permanecem letra morta. Os parágrafos que tratam das guardas municipais e da coordenação nacional da segurança também seguem sem regulamentação plena. Leis recentes, como o Estatuto das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/2014) e o SUSP (Lei nº 13.675/2018), foram avanços pontuais, mas não substituem a lei complementar prevista na Constituição.
O resultado é um sistema fragmentado, politizado e sem comando unificado, em que cada Estado atua isoladamente, muitas vezes em conflito com as próprias diretrizes federais.
O caso do Rio de Janeiro: improviso em vez de Estado
A crise de segurança no Rio de Janeiro é a expressão mais visível da omissão nacional. Sem uma política de segurança pública integrada, o governador Cláudio Castro tenta formar uma coluna de governadores para reagir ao avanço das facções e milícias. Mas essa iniciativa revela, na verdade, a ausência de uma coordenação nacional e de uma legislação de Estado que organize o combate ao crime sob diretrizes permanentes.
Enquanto o país improvisa coligações políticas temporárias, o crime organizado opera com planejamento, estrutura e poder econômico, mantendo comunidades inteiras sob controle e desafiante à autoridade do Estado.
As comunidades reféns da omissão
A falta de regulamentação da segurança pública tem consequências diretas sobre a vida da população.
Nas comunidades mais pobres, onde o Estado raramente chega, facções criminosas e milícias assumem funções de poder, impondo regras, controlando territórios e cobrando tributos ilegais.
A ausência de um sistema nacional de segurança e de políticas públicas permanentes transformou o cidadão em refém da inércia legislativa.
É a prova viva de que a covardia política tem custo social e ele se mede em sangue, medo e perda de vidas.
O elo entre crime, corrupção e impunidade
Sem uma legislação de integração, as forças de segurança e os órgãos de controle não compartilham informações de forma eficiente.
O combate ao tráfico internacional, à lavagem de dinheiro e à corrupção se fragmenta em ações isoladas, lentas e burocráticas.
Enquanto o crime se globalizou e domina as rotas financeiras, o Estado brasileiro ainda atua como se o problema fosse local. Não há coordenação entre inteligência, fronteiras, polícia judiciária e investigações financeiras e essa falha estrutural decorre diretamente da falta de regulamentação do artigo 144.
O que falta é coragem Legislativa
A segurança pública brasileira não fracassou por falta de policiais, tecnologia ou recursos, mas por ausência de coragem política e visão de Estado.
Deputados, senadores e presidentes da República, ao longo de quase quatro décadas, não cumpriram o dever constitucional de regulamentar a base da segurança nacional.
Enquanto o Congresso se omite, governadores improvisam respostas emergenciais e o crime organizado se fortalece, infiltrando-se nas estruturas de poder e corrompendo a própria noção de autoridade pública.
O artigo 144 não é apenas um texto esquecido é um grito por responsabilidade legislativa.
Sem uma lei complementar que unifique e modernize o sistema de segurança pública, o Brasil continuará refém da política do improviso e de uma violência que já ultrapassou o limite da tolerância social.
José Santana
Jornalista, graduado em Gestão Pública e pós-graduado em Direito Constitucional. Editor do portal Folha do Estado SC











