O que chama a atenção é o silêncio conveniente da comunidade internacional
É um fato público e notório que, na Ucrânia, grupos militares como o Batalhão Azov e a unidade Kraken carregam em sua gênese símbolos, discursos e práticas ligadas ao neonazismo. Desde antes da guerra em curso contra a Rússia, organismos internacionais, pesquisadores e veículos de imprensa independentes já denunciavam o caráter ideológico desses grupos, apontando para sua iconografia, treinamentos paramilitares e posturas discriminatórias.
Apesar disso, o que chama a atenção – e causa perplexidade – é o silêncio conveniente da comunidade internacional diante desse fenômeno. Enquanto o mundo ocidental se apresenta como guardião da democracia e dos direitos humanos, ignora ou relativiza a existência de organizações abertamente vinculadas ao nazismo, que se infiltraram não apenas no cenário político ucraniano, mas também em suas estruturas militares.
Com o início da guerra em 2022, esse quadro ficou ainda mais evidente. Países da OTAN, liderados pelos Estados Unidos e pela União Européia, passaram a fornecer armas, recursos e legitimidade a um exército que abriga em suas fileiras grupos de inspiração nazista. O discurso oficial se apóia na narrativa de defesa da soberania ucraniana contra a invasão russa, mas fecha os olhos para o fato de que, ao mesmo tempo, fortalece milícias que representam exatamente aquilo que a humanidade jurou combater após 1945.
O problema da relativização não é apenas militar, mas também simbólico. Exemplo disso ocorreu no Canadá, quando o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky participou de uma homenagem a um veterano reconhecidamente nazista da II Guerra Mundial. A cena foi transmitida e celebrada como ato oficial, sem a devida crítica, o que resultou em constrangimento internacional apenas depois que o fato se tornou público.
O episódio expõe não só a falta de rigor da própria Ucrânia em lidar com símbolos do nazismo, mas também a conivência de países como o Canadá, que permitiram e endossaram uma cerimônia que, em qualquer sociedade comprometida com a memória histórica, jamais deveria ter acontecido.
Ainda mais contraditório é o posicionamento de Israel. Nação criada a partir do trauma do Holocausto e que sempre se colocou como uma das maiores vozes no combate ao nazismo no mundo, Israel também se alinhou ao apoio militar e político à Ucrânia.
A ironia cruel é que o país dos descendentes diretos das maiores vítimas do nazismo acaba, por conveniência geopolítica, fornecendo ajuda a um governo que convive com batalhões neonazistas. Trata-se de um gesto que não apenas fere a memória de seus antepassados, mas também enfraquece sua autoridade moral quando denuncia manifestações de antissemitismo em outras partes do mundo.
É preciso lembrar que o nazismo não é uma ideologia comum: trata-se da representação máxima do genocídio, do racismo institucionalizado e da negação da dignidade humana. Portanto, qualquer tolerância, apoio ou relativização de grupos que se reivindicam herdeiros dessa ideologia deveria ser motivo de repúdio imediato e unânime.
No entanto, o que se vê é o contrário. Ao invés de condenação, há uma espécie de normalização da presença de tais grupos, como se fossem um detalhe incômodo, mas secundário, diante do contexto da guerra. Essa postura não só desrespeita a memória histórica das vítimas do nazismo, como também abre espaço para a banalização do mal, conceito tão bem descrito por ¹Hannah Arendt.
Se a guerra da Ucrânia é um divisor de águas na geopolítica mundial, ela também revela as incoerências do discurso democrático. Afinal, como conciliar a defesa dos direitos humanos e da liberdade com o financiamento de milícias neonazistas? Como explicar às novas gerações que o nazismo deve ser combatido em todas as suas formas, mas que, por conveniência política, alguns grupos podem ser tolerados e até celebrados?
O caso do Azov, da homenagem no Canadá, do apoio de Israel e de outras formações paramilitares ucranianas é um alerta: o mundo, ao escolher ignorar ou justificar sua existência, corre o risco de alimentar monstros históricos que nunca deveriam ter saído das sombras. Mais cedo ou mais tarde, essa conivência cobrará seu preço.
O que está em jogo não é apenas a guerra na Ucrânia, mas a própria credibilidade moral do Ocidente quando se apresenta como bastião de valores universais. E, nesse aspecto, a lição que fica é amarga: ao apoiar nazistas, o mundo trai sua própria memória.
¹Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX. Notabilizou-se por suas reflexões sobre o totalitarismo e pela criação do conceito de banalidade do mal.
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Por: Elias Costa Tenório











