Medida gera críticas por desconsiderar que documentos já foram apresentados durante a contratação, e que muitos servidores são efetivos
Itapema: – O requerimento nº 703/2025, protocolado pelo vereador Saulo Salustiano Ramos Neto (Progressistas) na Câmara Municipal de Itapema está gerando polêmica entre profissionais da educação e especialistas em direito administrativo.
O requerimento, apresentado em sessão da Câmara, solicita que a Secretaria de Educação encaminhe os diplomas e certificados de qualificação dos docentes – inclusive daqueles que já são efetivos e ingressaram por concurso público.
A justificativa apresentada pelo vereador baseia-se na Lei Federal nº 13.722/2018, conhecida como Lei Lucas, que estabelece a obrigatoriedade de capacitação de profissionais que atuam em escolas, especialmente em questões relacionadas à saúde e segurança de crianças e adolescentes.
Além da apresentação dos certificados, o pedido inclui a inclusão desses cursos no currículo digital de cada servidor.
Especialistas em Direito Constitucional e Educação apontam que o pedido pode configurar excesso de poder fiscalizatório, uma vez que a comprovação da formação acadêmica é requisito obrigatório para posse no cargo público e já consta nos arquivos da administração.
– A exigência de reenvio desses documentos soa como uma tentativa de constrangimento ou desconfiança generalizada. O servidor efetivo já comprovou sua habilitação legal no momento da nomeação, conforme previsto no artigo 37 da Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – seja em concursos públicos (para os efetivos) ou nos processos seletivos temporários – explica o professor e Mestre em Direito Mestre em Direito Constitucional, Rafael N. S. Costa.
A solicitação, portanto, é considerada redundante e onerosa, uma vez que implicaria a mobilização de recursos humanos e tempo da administração para reunir documentos que já integram os arquivos oficiais.
A medida, segundo servidores da educação, não tem precedente e levanta dúvidas quanto à finalidade real do pedido. Para muitos professores, o ato foi interpretado como uma forma de exposição indevida e desrespeitosa, que ignora a presunção de legalidade dos atos administrativos.
FISCALIZAÇÃO NÃO É PERSEGUIÇÃO
Embora o vereador tenha o direito de exercer o poder fiscalizatório – prerrogativa garantida pelo artigo 31 da Constituição -, o uso dessa função deve observar limites éticos e administrativos. A solicitação de documentos pessoais de servidores sem indícios concretos de irregularidade pode configurar violação de privacidade funcional e até abuso de autoridade, conforme a Lei nº 13.869/2019.
Para Rafael N. S. Costa, o pedido demonstra desconhecimento das rotinas legais da gestão pública:
– A Câmara pode e deve fiscalizar os atos da Prefeitura, mas não cabe ao Legislativo exigir novamente documentos que já foram analisados em processo administrativo. Isso invade a esfera do Executivo e cria um clima de desconfiança injustificado. A negativa de parte do Executivo é medida que se impõe, baseada na inexistência de fato concreto que justifique tal solicitação.
Ele se refere ao dever do vereador de fiscalizar, no entanto, inexiste qualquer dúvida específica sobre a graduação dos professores da Rede Municipal de Ensino, muito menos denúncia que sugira que possa existir algum professor sem graduação legal. Caso ocorresse uma denúncia, somente àquele Mestre seria solicitado novamente a exposição da graduação.
PROFESSORES EFETIVOS E TRANSPARÊNCIA SELETIVA
A exigência atinge inclusive professores efetivos, há décadas, o que reforça a percepção de desrespeito à trajetória profissional dos educadores. “Parece uma tentativa de holofote político mais do que de transparência pública”, comentou uma professora que preferiu não se identificar.
Juristas consultados pela Folha do Estado lembram que, caso haja suspeita legítima sobre a habilitação de um servidor específico, o vereador pode solicitar auditoria pontual ao Tribunal de Contas ou ao Ministério Público, e não promover uma devassa administrativa generalizada.
Para uma professora que atua há mais de 15 anos na rede municipal, a medida desconsidera a estabilidade do servidor público. “Quem é efetivo passou por concurso, teve a vida pregressa analisada, os títulos conferidos. Agora, no meio da carreira, ter que ‘comprovar’ de novo algo que já está devidamente registrado, soa como desconfiança infundada”, afirma.
Do ponto de vista jurídico, o pedido também levanta questões. Na avaliação de Rafael N. S. Costa, “a administração pública já possui mecanismos de controle e fiscalização da qualificação de seus servidores, especialmente no ato da posse. A menos que haja indício concreto de irregularidade, a exigência generalizada de reapresentação de documentos pode ser interpretada como excesso de requerimento legislativo, onerando indevidamente a máquina pública. (Grifo é nosso).
Além disso, especialistas alertam para o risco de exposição desnecessária de dados pessoais dos servidores, uma vez que a reprodução e o tráfego desses certificados podem aumentar a vulnerabilidade a vazamentos.
O ofício do vereador ainda será apreciado pelo Executivo, que irá analisar a pertinência e a legalidade do atendimento ao pedido.
Enquanto isso, servidores questionam o foco da fiscalização. “Em vez de se preocupar com situações mais relevantes na Educação, parece um desperdício de energia e dinheiro público ficar revirando papéis que já estão guardados há anos”, desabafa uma coordenadora pedagógica que preferiu não se identificar.
CONCLUSÃO
A fiscalização é um dever constitucional do Legislativo, mas deve ser exercida com equilíbrio, respeito e finalidade pública legítima. Pedidos genéricos e sem fundamento concreto podem ferir a dignidade funcional dos servidores e comprometer o bom relacionamento entre os Poderes.
Em tempos de desinformação e ataques à educação pública, atitudes como essa precisam ser analisadas com rigor, para que a transparência não se transforme em instrumento de intimidação política pessoal.
Como o pedido é genérico e não específico, a administração municipal não tem a obrigação de atender o requerimento. Somente teria essa obrigação caso houvesse alguma denúncia ou indício de irregularidade, mesmo assim, não seria de forma genérica e sim pontual.
Análise da ONG OLHO VIVO recomenda não atendimento do pedido
Consultada pela Folha do Estado, a ONG Olho Vivo, entidade de defesa da transparência pública e do controle social, manifesta estranheza ao pedido formulado por vereador do município de Itapema, que requereu à Prefeitura cópia integral dos certificados e diplomas de todos os professores da rede municipal de ensino.
Resposta da ONG, na íntegra:
“A solicitação, apresentada sem qualquer indício de irregularidade, denúncia formal ou fundamento técnico, extrapola o poder fiscalizatório legítimo conferido aos vereadores pelo artigo 31 da Constituição Federal e pelo artigo 31, §1º, da Lei Orgânica Municipal, por não se vincular a nenhuma finalidade pública específica, tampouco a um processo de apuração regular.
PEDIDO SEM FUNDAMENTO E DE CARÁTER INVASIVO
A exigência de documentos pessoais de servidores públicos – especialmente daqueles que já comprovaram sua habilitação profissional no ato da nomeação ou contratação – é medida invasiva, desnecessária e desprovida de base legal.
Conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, o ingresso no serviço público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato deve comprovar todos os requisitos de escolaridade e qualificação profissional exigidos no edital. Tais documentos, uma vez apresentados, passam a integrar o prontuário funcional do servidor, sob guarda e sigilo administrativo da Prefeitura.
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) é clara ao dispor que o poder fiscalizatório do Legislativo municipal deve se restringir a atos e fatos da administração, não podendo atingir a esfera individual dos servidores sem causa legítima (Acórdão TCU nº 1.487/2017 – Plenário).-grifamos-
Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.441/DF, destacou que o poder de fiscalização parlamentar não é ilimitado e deve respeitar o princípio da razoabilidade e o direito à intimidade dos administrados e servidores públicos.
O papel constitucional do vereador é legislar e fiscalizar atos da administração pública, não coletar documentos pessoais de servidores sem motivação.-grifamos-.
O pedido em questão, ao exigir a apresentação e possível publicação dos certificados de todos os docentes, fere o princípio da finalidade administrativa previsto no artigo 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.784/1999, que estabelece que todo ato administrativo deve atender exclusivamente ao interesse público, e não a desejos individuais ou políticos. Além do inciso VIII: observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados
Caso a Prefeitura atendesse integralmente a solicitação, incorreria em desvio de finalidade e em possível violação à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), uma vez que certificados e diplomas contêm dados pessoais sensíveis, cuja divulgação sem amparo legal é vedada.
Além disso, o artigo 10, §1º, da Lei nº 13.460/2017 (Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos) garante que o cidadão tem direito à proteção de seus dados e documentos pessoais no âmbito da administração pública.
AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO E DESVIO DE FINALIDADE
A ONG Olho Vivo destaca que a ausência de qualquer denúncia, irregularidade comprovada ou auditoria formal torna o pedido meramente pessoal e sem vínculo com o dever institucional do vereador. O ato, portanto, ultrapassa o limite do poder de fiscalização e se aproxima do abuso de autoridade, tipificado no artigo 33 da Lei nº 13.869/2019, que pune quem “instaura investigação ou diligência sem justa causa fundamentada”.
RECOMENDAÇÃO OFICIAL À PREFEITURA DE ITAPEMA
Diante disso, a ONG Olho Vivo recomenda oficialmente à Prefeitura de Itapema que não atenda o referido pedido, uma vez que não há fundamento legal, administrativo ou constitucional que justifique o fornecimento de cópias de certificados de todos os professores da rede municipal.
A eventual entrega desses documentos representaria violação da legalidade, da impessoalidade e da finalidade pública, princípios expressamente previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, e abriria precedente perigoso para práticas de exposição indevida e constrangimento de servidores.
COMPROMISSO COM A LEGALIDADE E O RESPEITO INSTITUCIONAL
A ONG Olho Vivo reafirma seu compromisso com a transparência pública responsável, a proteção dos direitos funcionais dos servidores e o respeito ao equilíbrio entre os Poderes. A fiscalização é instrumento legítimo de controle, mas jamais pode ser utilizada como mecanismo de intimidação política ou pessoal.
“Transparência não se faz com devassas administrativas, mas com fundamentos legais, dados públicos e respeito à dignidade dos servidores públicos”, conclui a nota da ONG.
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Elias Costa Tenório
Presidente – ONG OLHO VIVO
Defendendo a Soberania e a Ética Pública
Email: ongolhovivobrasil@gmail.com
Site: www.olhovivobr.org








