A denúncia, assinada pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, Andreas Eisele, e pelo Promotor de Justiça Pablo Inglêz Sinhori, é um desdobramento da Operação Sutura
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) ofereceu denúncia contra o ex-prefeito de Itapema, Rodrigo Costa, o ex-secretário municipal de Saúde, Everton Ricardo da Silva, e os empresários Nilson Santiago Moya e Jessica Ramos Vergílio Moya pelos crimes de integrar organização criminosa, peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de capitais. Os fatos ocorreram entre 2013 e 2016 e teriam desviado recursos públicos da área da saúde que ultrapassam R$ 18 milhões.
A denúncia, assinada pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, Andreas Eisele, e pelo Promotor de Justiça Pablo Inglêz Sinhori, é um desdobramento da Operação Sutura, que investigou um esquema semelhante de corrupção no município de Penha. De acordo com o MPSC, o grupo criminoso de Penha, já desmantelado, expandiu sua atuação para Itapema através de laços de amizade e alianças políticas.
O MODUS OPERANDI DO ESQUEMA
Conforme detalhado no documento, o núcleo político, formado por Rodrigo Costa e Everton da Silva, atuou em conluio com o núcleo familiar-empresarial dos Moyas. O esquema se baseava na celebração de contratos diretos sem licitação entre a prefeitura de Itapema e o Instituto Adonhiran de Assistência à Saúde, entidade gerida por Nilson Moya.
A fraude consistia em superfaturar os contratos incluindo, de forma indevida, a previsão de custeio de cirurgias eletivas que, na verdade, eram de responsabilidade do Estado de Santa Catarina, e não do município. Um ofício da Secretaria de Estado da Saúde atestou essa irregularidade.
Os denunciados omitiam deliberadamente a fiscalização dos contratos. O ex-prefeito Rodrigo Costa deixou de exigir a prestação de contas dos dois primeiros contratos, permitindo o repasse de recursos “sem qualquer controle técnico ou financeiro”. Já o ex-secretário Everton da Silva, que assumiu em 2014, manteve a omissão, inclusive não implementando uma comissão de fiscalização prevista em um dos contratos.
O CAMINHO DO DINHEIRO E A LAVAGEM
O dinheiro desviado era repassado do Instituto Adonhiran para a Clínica Saúde e Vida Diagnósticos Ltda., de propriedade de Nilson e Jéssica Moya. Esta clínica, descrita na denúncia como uma empresa sem funcionários registrados ou movimentação comercial real, era usada como “caixa” do esquema para distribuir propinas.
Provas colhidas em quebras de sigilo bancário mostram uma clara coincidência entre as datas dos repasses da prefeitura ao Instituto e os depósitos em espécie nas contas dos agentes públicos. A denúncia apresenta uma tabela onde, por exemplo:
Em 6 de setembro de 2013, a prefeitura repassou R$ 135 mil ao Instituto. No mesmo dia, R$ 10 mil em espécie foram depositados na conta de Rodrigo Costa.
Em novembro de 2014, um repasse de R$ 264 mil foi seguido, dias depois, por depósitos de R$ 5 mil para Rodrigo, R$ 2 mil para Everton e R$ 5 mil para o filho de Everton, Leonardo.
No total, Everton da Silva teria recebido R$ 234 mil em valores ilícitos, parte depositada diretamente em sua conta e parte na conta de seu filho, supostamente como pagamento por uma “assessoria” que, segundo Nilson Moya, nunca existiu. Rodrigo Costa recebeu R$ 284 mil em depósitos não identificados no mesmo período.
OS CRIMES IMPUTADOS
Aos quatro denunciados são imputados os seguintes crimes:
- Integrar Organização Criminosa (Lei 12.850/13): Por fazerem parte de uma estrutura organizada, hierarquizada e voltada para a prática de crimes contra a administração pública.
- Peculato (arts. 312 e 327 do Código Penal): Por se apropriarem e desviarem dinheiro público em proveito próprio (Rodrigo e Everton) e alheio (Nilson e Jéssica).
- Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98): Por ocultarem e dissimularem a origem ilícita dos valores desviados através de movimentações financeiras complexas e notas fiscais falsas.
O MPSC requereu o recebimento da denúncia e a citação dos acusados para apresentarem defesa. A lista de testemunhas inclui o delegado responsável pelas investigações.
Assinam a denúncia, o Dr. Andreas Eisele, Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos e Pablo Inglêz Sinhori, Promotor de Justiça, Assessor da Procuradora-Geral de Justiça.
A CORRUPÇÃO SISTÊMICA E A CULTURA DA IMPUNIDADE
O caso donunciado em Itapema não é um evento isolado, mas um sintoma de uma patologia social mais profunda: a corrupção sistêmica. Do ponto de vista sociológico, esquemas como este florescem em um ambiente onde a desconfiança nas instituições se combina com uma sensação generalizada de impunidade.
A corrupção, neste contexto, deixa de ser um ato individual e desviante para se tornar uma “norma social” informal, um código de conduta paralelo que se sobrepõe à lei. Os agentes públicos e privados envolvidos operam em uma rede de conluio onde os laços de lealdade pessoal e política são mais fortes do que o compromisso com o interesse público. A omissão deliberada na fiscalização, como alegado na denúncia, é tão crucial quanto a ação fraudulenta, pois é o que permite a perpetuação do esquema.
Essa dinâmica corrói os pilares do Estado Democrático de Direito. A impunidade, ou mesmo a percepção de que crimes de colarinho branco raramente são punidos de forma efetiva, envia uma mensagem perversa à sociedade: a de que a lei não é igual para todos. Isso gera um ciclo vicioso de cinismo e desengajamento cívico, onde a população perde a fé na justiça e na política, vendo-as como arenas de benefício privado e não como instrumentos de bem comum.
Combater essa realidade exige mais do que ações punitivas pontuais. É necessário um fortalecimento constante das instituições de controle, uma imprensa livre e vigilante, e, sobretudo, uma mudança cultural que valorize a ética pública e a transparência como valores fundamentais, inegociáveis e esperados de todos os que ocupam funções públicas.
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Por Elias Tenório