O Eco do Mapa Rasgado

Coluna semanal de Virgilio Galvão

Era uma vez, em um tempo não muito distante, que nos ensinaram a vida como um mapa. Um mapa detalhado, com rotas bem traçadas e destinos claros. Nele, as metas eram picos a serem escalados, o dinheiro, um rio caudaloso a ser represado, e a família, um jardim a ser cultivado com esmero. As palavras-chave, como estrelas-guia, brilhavam no firmamento da nossa existência: felicidade, liberdade, resiliência, sucesso. Gravadas a fogo na alma, eram promessas de um futuro dourado, um Éden particular que nos aguardava ao final da jornada.

Mas o tempo, esse mestre implacável, revelou a fragilidade do pergaminho. O mapa, que parecia tão sólido, rasgou-se em nossas mãos. A bússola, antes tão precisa, girou em falso, apontando para direções desconhecidas. Havíamos aprendido a teoria, a cartilha do bem-viver, recitada em uníssono nas salas de aula e nos sermões dominicais. Mas a prática, ah, a prática era um abismo, um eco distante do que se supunha ser. Uma melodia desafinada em meio à sinfonia da vida.

O questionamento, então, brotou como flor em solo árido: Como ter sucesso se a vida, em sua urgência inadiável, clamava por um tempo que o dinheiro não comprava, nem a meta mais ambiciosa alcançava? Como ser feliz se a liberdade, tão almejada, era amarrada em fios invisíveis, teias de compromissos e expectativas alheias? E a resiliência, essa virtude tão decantada, esvaía-se na busca incessante por mais, por aquilo que nunca parecia suficiente?

A família, sim, a família. O porto seguro, a âncora em mares revoltos, o abraço que acalma a tempestade. Mas como dedicar-me plenamente se o relógio da vida corria, impiedoso, e o sucesso, esse fantasma etéreo, exigia sacrifícios, pedaços da alma que se desprendiam a cada nova conquista? Deixando, ao final, uma alma vazia, uma essência corroída pela incessante busca por um ideal que se mostrava inatingível.

O dinheiro, papel frio, promessa de conforto e segurança. Mas seria capaz de comprar a paz que a mente inquieta não encontrava, o sossego que a alma ansiosa tanto buscava? E a liberdade, antes um grito vibrante, agora um sussurro abafado em meio ao burburinho da multidão, perdia-se na corrida insana por um amanhã que nunca chegava, sempre um passo à frente, sempre inalcançável.

A resiliência, virtude forjada na dor e na luta, na capacidade de se reerguer após cada tombo. Mas para que resistir se o caminho, por vezes, parecia desprovido de sentido, um labirinto sem saída? E o sucesso, esse coro de aplausos em um palco vazio, não preenchia o vazio existencial de uma vida sem propósito, sem a verdadeira conexão com o que realmente importava.

Metas, vida, dinheiro, família, feliz, liberdade, resiliência, sucesso. Palavras soltas, emaranhadas, um nó na garganta que impedia a respiração plena. O modernismo, em sua essência, quebrava as formas, desconstruía os padrões. O humanismo, por sua vez, buscava a essência, a verdade por trás das aparências. E essa essência, em um grito mudo, revelava: o que nos ensinaram era apenas um rascunho, um esboço imperfeito da complexidade da existência.

O conto não se fecha, a vida não se encerra. Somos o verso livre, a estrofe que se recusa a rimar com as expectativas alheias. Buscamos a verdade na contradição, na imperfeição, na beleza do inacabado. Na humanidade que se revela ao desaprender o que nos ensinaram, ao despir-se das amarras e convenções.

Porque a vida não é um mapa a ser seguido, mas um rio que flui, imprevisível e constante. E a felicidade não é um destino a ser alcançado, mas a jornada em si, cada passo, cada respiração. E o sucesso, talvez, seja apenas a coragem de ser, de existir em sua plenitude, sem metas impostas, sem a tirania do dinheiro, apenas a alma nua, livre, e em paz com o próprio fluxo da vida.

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Por Virgílio Galvão – Brasília

 

 

Redação
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