Escalada de tensões com autoridades do governo motivou o avanço de cinco CPIs na Câmara
Lira com o primo Wilson Santos, exonerado do Incra de Alagoas após pressão do MST — Foto: Reprodução.
Após a escalada da crise com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e a demissão de um primo da chefia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) afirmou ontem a líderes partidários que vai abrir espaço à oposição para medidas com potencial de desgastar o governo. O deputado disse que vai autorizar a instalação de cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) simultâneas, movimentação que preocupa o Executivo, e dar andamento a iniciativas que impõem freios ao Judiciário — o ideal para o Palácio do Planalto era esfriar os ânimos entre os Poderes.
O “novo round” entre Lira e o Planalto ocorre em momento que o governo tenta ganhar tempo para evitar prováveis derrotas no Congresso, como a derrubada dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão e ao projeto que impôs restrições às “saidinhas” de presos. No caso das emendas, o Planalto propôs um acordo e ganhou fôlego com o adiamento da sessão do Congresso, que estava prevista para amanhã.
Pelo regimento da Casa, cinco é o número máximo de CPIs em funcionamento ao mesmo tempo. Entre os requerimentos que já reuniram o número mínimo necessário de assinaturas para a instalação estão colegiados que, por exemplo, pretendem apurar o “abuso de autoridade do Judiciário”, “crime organizado”, “avanço do crack” e “tráfico infantil e exploração sexual”. Via de regra, este tipo de comissão serve de palanque para a oposição, que usa as sessões para desgastar o governo — há temas que resvalam na segurança pública, área em que a gestão petista enfrenta dificuldades. Ainda não ficou definido quais serão instaladas, o que vai ocorrer após acordo entre os líderes.
TROCA NO INCRA
O “pacote de reação” ocorre na sequência de dois acontecimentos que provocaram incômodo em Lira. Na quinta-feira, ele chamou Padilha de “incompetente” e “desafeto pessoal”, após ficar irritado com o que considerou “vazamento” do governo de que teria atuado a favor da soltura de Chiquinho Brazão (em partido-RJ), que foi mantido preso pelos deputados em votação na semana passada. Ele é apontado como um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018.
Ontem, em um novo atrito, Wilson Cesar de Lira Santos, primo do presidente da Câmara, foi demitido do comando da superintendência regional do Incra em Alagoas, após pressões do MST e a ameaça de uma nova invasão ao prédio do órgão no estado, como já ocorreu no ano passado.
O parlamentar afirmou a interlocutores que não gostou de saber da demissão pelo Diário Oficial. Descontente com a decisão, Lira ligou para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para dizer que o combinado era uma troca simultânea: o seu primo deixaria o cargo para dar lugar a um outro indicado. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, nega que havia essa combinação. Para minimizar o desgaste, Teixeira pediu a Lira que indicasse nomes que tivessem perfil de diálogo com o MST.
Outro movimento de Lira foi pautar em plenário a urgência de um projeto que prevê sanções administrativas e restrições a invasores de terra, em meio aos desgastes do governo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e ruralistas diante das ações recentes do grupo. O requerimento foi aprovado, o que dispensa o texto de passar por comissões.
— Para que fazemos reuniões, se os acordos não são cumpridos? Isto é um absurdo. Daqui a pouco é melhor não fazermos mais encontros para alinhar a pauta deste plenário — reclamou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Em outra frente, a Câmara vai criar um grupo de trabalho para elaborar uma proposta em reação a investigações contra parlamentares. Operações da Polícia Federal contra os deputados Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ) e a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), alimentaram entre os congressistas a vontade de impor freios.
Uma das iniciativas ficou conhecida como “PEC da Blindagem” e discute, entre outros pontos, exigir que o Congresso dê autorização para o início de apurações contra parlamentares e acabar com o foro privilegiado de congressistas, o que empurraria todos os processos à primeira instância. Em direção contrária, o STF decidiu na semana passada estender o foro, amarrando um maior número de processos na Corte. Há ainda a intenção de proibir operações de busca e apreensão nas dependências do Parlamento.
Segundo relatos de líderes presentes na reunião, Lira também reclamou de o governo ter retirado a urgência do projeto de lei que regulamenta o processo de falências. Além disso, o presidente da Câmara também afirmou que deve acontecer uma audiência pública no plenário da Casa para debater o papel das redes sociais, assunto que vem sendo usado pela oposição para ganhar espaço, após ataques do empresário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
ACORDO NÃO APARECEU
Há no Planalto temor de que o momento turbulento se reflita em derrotas em votações. Articuladores políticos tentam um acordo para manter ao menos parte do veto às emendas de comissão e liberar aos parlamentares um valor entre R$ 3 bilhões e R$ 3,6 bilhões. O valor aprovado no Orçamento para a modalidade foi de R$ 16,6 bilhões, mas Lula vetou R$ 5,6 bilhões. Rui Costa já levou a Lira a proposta, enquanto Padilha tem capitaneado a conversa com os líderes da Câmara e do Senado.
— Estamos construindo um grande acordo com todos os líderes dos diferentes partidos da Câmara e do Senado — disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Para avançar no acordo, líderes do governo veem como fundamental a aprovação, pelo Senado, da mudança no arcabouço fiscal que libera R$ 15 bilhões para o governo gastar. O dispositivo foi inserido no projeto que recria o seguro obrigatório para vítimas de acidentes de trânsito, o DPVAT. A alteração foi aprovada pela Câmara na semana passada, mas também precisa do aval dos senadores para passa a valer. Apesar dos esforços, as dificuldades persistem.
— Tem questões que vão ter que ir para o voto, como a do cronograma das emendas e a dos R$ 5,6 bilhões. Estudou-se uma proposta alternativa, mas até agora ela não apareceu de fato. A tendência é preservar aquilo que foi votado pelo Congresso. Fizemos muito debate e foi acordado em plenário, publicamente — afirma o deputado Danilo Forte (União-PE), que foi relator da Lei de Diretrizes orçamentárias (ldo) de 2024.
DECISÕES PRESIDENCIAIS SOB RISCO
EMENDAS DE COMISSÃO
O Palácio do Planalto tenta avançar em um acordo sobre o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que diminuiu em R$ 5,6 bilhões as emendas de comissão. O governo avalia quais rubricas irão cair e quais serão mantidas. Pela negociação, deputados e senadores derrubariam apenas parte do veto e manteriam até R$ 3,6 bilhões. A proposta foi levada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
CRONOGRAMA DE PAGAMENTO
O Congresso ameaça restabelecer um cronograma, inserido na LDO, para a liberação de emendas parlamentares. O calendário obrigaria o Executivo a liberar um montante no primeiro semestre, como forma de deputados e senadores atenderem suas bases às vésperas da eleição municipal. Ao vetar a iniciativa, o governo justificou que a medida serviria para “aumentar a rigidez na gestão orçamentária e financeira e dificultar a gestão das finanças públicas”.
‘SAIDINHA’ DE PRESOS
Uma derrota dada como certa para o governo é quanto ao veto de Lula ao ponto principal do projeto de lei que restringe a “saidinha” de presos. Para o Ministério da Justiça, o trecho que proibia detentos de visitarem a família contraria a Constituição e fere o princípio da dignidade humana. O texto, no entanto, foi aprovado com amplo apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, o que incluiu votos de governistas. Nem o PT assumiu posição contrária.
LEI ORGÂNICA DAS PMS
O presidente vetou, na lei orgânica das PMs, trechos que tratam do acesso de mulheres nas corporações, participação de policiais em manifestações políticas e o que vinculava ouvidorias aos comandantes-gerais. A proposta aprovada pelo Congresso estabelecia a destinação mínima de 20% das vagas de concursos das corporações a candidatas do sexo feminino. Para especialistas, na prática, o texto não fixava um piso, mas sim um teto.
Por Lauriberto Pompeu, Gabriel Sabóia, Jeniffer Gularte, Camila Turtelli e Victoria Abel — g1 Brasília
NOTA DA REDAÇÃO: Seriedade neste País está sendo empurrada para debaixo do tapete pelo interesse pessoal e não pelo coletivo. Infelizmente!